quarta-feira, fevereiro 04, 2009

Filmes do exílio #1

Há uma beleza embriagante em Alma em Pânico, film noir famoso e bem atípico de Otto Preminger. O efeito de envolvimento começa na trilha de Dimitri Tiomkin, tocada já nos créditos e repetida ao longo da projeção por Jean Simmons, ao piano, em algumas sequências-chave do filme. É uma partitura langorosamente hitchcockiana, que poderia muito bem pontuar os dois primeiros atos de Um Corpo Que Cai, quando James Stewart é enredado por Kim Novak.

Alma em Pânico também fala sobre amor, obsessão e assassinato à maneira hitchcockiana, longe da história policial. Sua vinculação com o noir talvez se deva mais à iluminação p&b e o currículo do diretor, autor do megahit Laura e outros exemplares do estilo. Por dentro, faltam ao filme vulgaridade e brutalidade para que os diálogos pareçam "sair do asfalto". Estamos na verdade diante de um lancinante melodrama com toques policiais, como A Carta, de William Wyler.

A sinopse bruta dá conta de que Diane Tremayne, filha única de um escritor de sucesso e órfã de mãe, detesta a madrasta. Ela se apaixona pelo motorista de ambulância que vem a sua casa quando a madrasta quase é intoxicada com gás, no que pode ser um simples acidente ou uma tentativa de assassinato.



Diane seduz Frank, o motorista (Robert Mitchum, no auge de sua presença como leading man), e o convence a trabalhar para a família dela. Ele não vira o pato habitual do noir, não comete nenhum assassinato, e é safo o suficiente para deixar isso claro para Diane, mas acha que pode conseguir tirar as ideias malucas da cabeça dela se os dois fugirem.

O que acontece daí em diante é melhor deixar para o eventual espectador dessa joia clássica, infelizmente não tão famosa quanto deveria ser. Provavelmente esses desdobramentos de roteiro nem são tão importantes, mas há um frescor em ver esse filme sem saber muito bem para onde ele vai, e apreciar como Preminger vai conduzindo lindamente esse jogo de erros. Há uma inequívoca e hoje raríssima elegância em cada cena, um desfile de excesso controlado numa trama que só poderia passar no meio de gente rica.

Jean Simmons, atriz que oscila bruscamente entre o irritante (Hamlet) e o maravilhoso (Entre Deus e o Pecado), desconcerta, com um dos personagens mais complicados já vistos no cinema clássico: uma femme fatale perigosa mas sem malícia, assassina por desequilíbrio e não por vocação ou esporte, e, ainda assim, bem longe de ser louca; é instável, e com não raros momentos de afetuosidade e bom caráter. A atriz é o ponto de apoio de um filme verdadeiramente fascinante, dono de um perfeito ponto final.

Outros filmes do exílio:

Desejo Humano, de Fritz Lang - Noir verdadeiro e forte, mas, como remake de A Besta Humana, de Jean Renoir, acaba suprimindo parte da melancolia reinante no longa do mestre. O final e o protagonista poupado do banho de sangue me parecem concessões a Hollywood, coisa que o diretor francês não enfrentou. Glenn Ford, aliás, não sobrevive a um suspiro de Jean Gabin, mas Gloria Grahame dá o show habitual.

A Dama Fantasma, de Robert Siodmak - Assim como Silêncio nas Trevas, esse outro noir de Siodmak não convencem muito. Parece filme de imitadores dos grandes mestres, emulando a iluminação, com sem os abismos humanos que caracterizaram o estilo. Bem fraco.



Lúcio Flávio - O Passageiro da Agonia - Obra-prima do cinema nacional, infelizmente inédita em DVD e disponível apenas em VHSRIP escusos como o que eu vi. Mas não faz mal. Mesmo longe de suas condições ideais de exibição, esse filme de Babenco entra de sola no regime militar em plenos anos 70, com a desculpa de um filme policial. Não há nada glamourizante, e o filme é seco e brutal como deve ser uma cinematografia que queira se engajar politicamente, sem, no entanto, se transformar em panfleto. Primor de tensão e coragem: não há fuga da violência, e as cenas de tortura são inacreditáveis, sem os riscos de má interpretação de Tropa de Elite. O desagradável é desagradável mesmo, sem retoques ou popices. Reginaldo Faria, mais uma vez, é espetacular.

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