domingo, setembro 14, 2008

Cegueira

Eu temia muito que Ensaio Sobre a Cegueira desandasse rumo a algo próximo de Babel, de Alejandro Gonzalez Iñarritu. Acho que é essa idéia meio universal de Meirelles, de escalar atores de diversas origens, filmar em três países, além da obrigação de fazer seu filme passar como um comentário sobre o mundo, do mesmo jeito que o livro de Saramago parecia ser quando foi lançado.

Graças a Deus, estamos livres da pieguice moralizante do diretor mexicano, porque Meirelles me parece muito mais interessado no efeito visual de se retratar a cegueira do que em sustentar um discurso alheio. Gosto muito do que o filme é, quadro a quadro: imagem como fluido, instável, fugidia, sempre querendo voltar ao branco saturadão do mar de leite descrito por Saramago.

Essa instabilidade na tela, acho, é perfeita pro cinema do diretor, que faz filmes cuja próxima imagem é sempre imprevisível. Onde vai estar a câmera. Não me parece exibicionismo, mas um gosto pelo impoderável, uma vontade de incorporar o imprevisto, como ele mesmo diz.



Fora isso, o filme não tem a força que poderia ter, vindo da fonte que veio. Quando li Ensaio Sobre a Cegueira tive um registro na mente próximo ao de Salò, o infame filme de Pier Paolo Pasolini sobre o último reduto nazista na Itália - até hoje, a coisa mais apocalíptica já posta numa tela de cinema. Difícil cobrar de Meirelles o ímpeto radical de Pasolini, mas o filme não fica nem na metade.

Há alguma coisa enxugada e diluída do original, desde a ausência gráfica do horror - sangue e merda -, até o tempo que ficamos expostos à situação-limite em que se encontram os personagens. O ritmo do filme parece apressado às vezes, incapaz de descer ao inferno de verdade.

Por outro lado, eu mentiria se dissesse que essa adaptação não tem força. Há uma celebração singela e inesperada de pequenos sentimentos que toca pela sutileza, uma vontade de mostrar que as pessoas devem ficar com quem gostam, bem perto. O tom disso é discreto, quase na entrelinha, mas é o que dá sustentação ao filme. Posso bem imaginar o tom grandiloqüente que o Inãrritu usaria para rodar esse tipo de coisa. Ah, claro: Julianne Moore, mais uma vez, dá seu show.

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