O amigo Vitor Pamplona rejeita o filme de Gibson por achar desnecessária essa violência, uma vez que o dilema fundamental do cristianismo não é o sofrimento, e sim a dúvida: "Sou bom?". Logo, mostrar as chagas do redentir é incorrer no pecado da exploitation. Gibson no entanto, não está no nível do masoquismo gratuito, mas da imolação como meio para atingir o sagrado. A dúvida pode ser a essência do cristianismo, mas o rito básico de toda a Bíblia, no Velho e no Novo Testamento, é a violência e o sacrifício.
Desde os eventos mais próximos da parábola, como a saga de Jonas na barriga da baleia, até as adversidades enfrentadas por Moisés e pelo povo judeu no Egito, a narrativa bíblica é sempre a afirmação da vítima. O sofrimento, inclusive (principalmente?) o físico, é algo que deve ser enfrentado, e, claro serve de exemplo: não à toa a inserção na igreja se dá por meio de votos, ou seja, privações. O jejum, por exemplo, é símbolo de ascensão espiritual e limpeza da alma.
Nesse ponto, o calvário é o momento mais sintético dos meios cristãos de elevação. Como bom católico, Gibson capta a beleza desse rito, e celebra a violência porque nela reconhece o caráter fundador de sua fé. Pode parecer heresia a comparação, mas Dreyer fez um filme lindo sobre isso, também focado milimetricamente na imolação do corpo e no sofrimento: O Martírio de Joana D'Arc.
Dreyer pode ter ficado conhecido pela depuração narrativa, mas não acho que haja muita diferença entre seu preto e branco e o colorido barroco e estonteante de Mel Gibson, com luz genial do grande Caleb Deschanel - o objetivo é o mesmo. A violência é incontornável. Dela, surge a essência cristã, a dúvida.
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