quarta-feira, agosto 06, 2008

Sem cinza

Depois de umas vinte novelas sem que fosse possível ver 10 segundos de cena, A Favorita acaba se destacando em relação à mediocridade das antecessoras. Não é nenhuma maravilha, mas não posso negar que o capítulo de hoje foi uma amostra de arrojo no geral, mesmo que continue tudo muito conservador nos detalhes.

Vejamos: a novela propunha uma ambigüidade inicial, com duas protagonistas. Uma boa, outra má - problema é saber quem é quem. Tudo indicava que essa dúvida se dissiparia já no nome das personagens. Uma se chama Flora, é pobre, amargou anos de cadeia e tem no rosto certa dureza. A outra se chama Donatela, é rica e extravagante, e sabota o namoro da filha com um garoto pobre.

Parece coisa dos anos 20, mas a dramaturgia de novela ainda é fortemente baseada no conceito de cinderela e numa moral católica que condena a riqueza, ao menos nos primeiros capítulos, antes que a heróina monte na grana.



Eu realmente pensava que a reviravolta de A Favorita fosse um blefe, mas aconteceu. Flora, pobre, é a má: agora ri alto da cara da mocinha e mata a sangue frio. Donatela é a boa, mesmo que tenha comportamentos de filha da puta. Como o personagem tinha de apresentar indícios de vilania, agora que a verdade aparece, Donatela acaba sendo o melhor papel que vejo em novela em anos - algo muito mais humano e falho do que a heróina imbatível.

O problema é que a direção da novela não sabe disso: assim que a verdade foi revelada, os caras simplesmente trocaram a trilha. Música de tensão para Flora, trilha chorosa para Donatela. A mocinha nova é muito boa, mas a vilã desgraçada precisa ouvir rock pesado no repeat batendo cabeça, chegar em casa, e rir da desgraça da outra. Não bastassem as tintas fortes, Patrícia Pillar continua incapaz de sustentar qualquer nota mais dramática, não importa o que me dizem os fãs de sua atuação em Zuzu Angel. Já Cláudia Raia, essa sim, está excelente. Tem o melhor papel e mostra muita energia em todas as cenas, o suficiente para que esqueçamos de que ela é, na verdade, uma exímia atriz cômica.

Enfim, volto à novela semana que vem. A Favorita pode ser melhor que o tem sido feito na Globo, mas nada que me faça romper a ração máxima de uma vez por semana. Esperemos a volta de Benedito Ruy Barbosa, de preferência com a presença de seu diretor-gênio, Luiz Fernando Carvalho.

Nenhum comentário: