domingo, agosto 24, 2008

Amar é sofrer

Até quinta, na Walter da Silveira, programa imperdível: Os Guarda-Chuvas do Amor, de Jacques Demy, volta à cidade em película, depois de exibições no início do ano em DVD. Revisto, o filme, que já era um dos meus preferidos de todos os tempos, parece crescer ainda mais rumo a territórios não incialmente mapeados de melancolia e tristeza.

Saí do cinema atordoado, lembrando de O Clamor do Sexo, de Elia Kazan, com sua história (de amor) sobre oportunidades perdidas. Os Guarda-Chuvas, embora seja um dos filmes mais excessivos de todos os tempos - ultra-colorido, todo cantando, estridente (só perde pro Satyricon de Fellini no quesito excesso) - dá um belo capote no espectador.



A exuberância daquela coisa vai cada vez mais se deslocando da vida dos personagens: quanto mais excesso, mais tristeza. Genevieve trabalha na loja de guarda-chuvas da mãe e se apaixona por Guy, um mecânico. Ele vai para a guerra da Argélia, e ela, grávida, acaba casando com outro.

A redenção desse amor não está no caminho do roteiro, que aplica uma cena final que desafia os limites do cáustico. Engraçado que, para um musical que estoura tanto o cor-de-rosa, o filme termine de uma maneira tão crua, seca, e real, mesmo com a música alta. Imprescindível e fundamental.

>>> La Signora di Tutti é uma das muitas raridades da carreira do alemão Max Ophuls. O filme foi rodado na Itália, um ano depois que ele fez uma versão francesa para sua obra-prima alemã Liebelei, com Magda Schneider, mãe de Romy. Sua estrela é a monumental Isa Miranda, e o filme tem todos os prazeres que a obra do cineasta nos proporciona habitualmente.



O título do filme se refere à estrela de cinema Gaby Doriot (Miranda), encontrada à beira morte no início do filme, após uma tentativa de suicídio. Num momento rápido de lucidez, logo antes de ser dopada para sofrer uma cirurgia, Gaby começa a lembrar sua trajetória, desde a menina de beleza perigosa demais para ser exposta a um casamento frustrado com um viúvo rico.

Seguem-se uma hora e meia de melodrama do mais alto nível, com o corte romântico do século XIX típico do autor e sua câmera que parece valsear junto com os personagens, mesmo com as limitações técnicas de 1930 e poucos. Enfim, mas um grande perfil de mulher assinado por Ophuls, que, vale lembrar, dirigiu jóias indeléveis do cinema como Carta de Uma Desconhecida, Desejos Proibidos e Conflitos de Amor. La Signora di Tutti está praticamente no mesmo nível, e merece ser redescoberto.

Um comentário:

André Setaro disse...

Sempre admirei a poética de Jacques Demy. Vi pela primeira vez "Os guarda-chuvas do amor" em meados do decurso dos anos 60, quando exibido no extinto cinema Nazaré, situado no bairro do mesmo nome, onde morei a infância e a juventude. E fui vendo "Les parapluies de Cherbourg", encantado, pela vida afora, sempre que relançado em algum cinema. Há poucos anos atrás, restaurado, foi apresentado na Sala Walter da Silveira e sempre está a ser mostrado (como agora). E então veio o DVD para se tê-lo para sempre à disposição.

Não há outro filme igual na história do cinema, pois singular e único. Gene Kelly, quando o viu, ficou estupefato (sim, a palavra é esta, estupefato). Tanto é que, ao saber que Demy estava a rodar outro musical, fez questão de trabalhar com ele "de graça". No fascinante "Duas garotas românticas" ("Les demoiselles de Rochefort").

"Les demoiselles de Rochefort", por mal distribuído por uma empresa francesa sem força no mercado, foi pouco visto. Vi no também já extinto cinema Rio Vermelho. Agnès Varda, esposa de Demy (que morreu de leucemia em 1990), em parceria com o Ministério da Cultura da França, restaurou os dois filmes. "Les demoiselles" foi lançado na versão inglêsa (feita também por Demy). A francêsa, vi-a pela primeira vez no Telecine, quando gravei. Mas precisa, urgentemente, sair em DVD.

Mudando de assunto, acho Walter Salles muito politicamente correto, muito certinho demais. O verdadeiro artista deve ter a coragem de rir de si próprio, ser visceral. Acho "Encarnação do demônio" melhor do que "Linha de passe", ainda que veja nesta atributos indiscutíveis - a montagem paralela final é primorosa e lembra o Griffith de "Intolerância" ou, para ficar mais perto, o "grand finale" de O Poderoso Chefão, 3"