domingo, outubro 26, 2008

Sinfonia do pânico

Listas, listas. Clint Eastwood mostra à EW as 12 influências-chave na carreira e na vida. Começa com James Cagney em Fúria Sanguinária: The Clint conta que a cena do hot dog de Perseguidor Implacável veio de Cagney executando o capanga com uma coxa de galinha na mão. Grande filme, o do Raoul Walsh. Não tinha ouvido da própria boca do Eastwood, mas agora tenho certeza de que o grito de Sean Penn em Sobre Meninos e Lobos veio do berro sensacional de Cagney, quando fica sabendo da morte da mãe.



Brutalidade

Aliás, essa relação complicada de mãe & filho bandidos é apenas uma das muitas complexidades de Fúria Sanguinária, um filme que até hoje impressiona pela violência e intensidade, e pelo fato de que absolutamente nenhum personagem presta. Para isso, ver a participação da doce Virginia Mayo, aqui ultra-escorregadia como a amante de Cagney.

***

Nessa lista, há link para uma compilação dos 20 filmes mais assustadores da história. Tirando as escoilhas das quais é impossível fugir (O Bebê de Rosemary, O Exorcista, A Profecia), a lista é decepcionante pelo fator açúcar-no-champanhe. Predomina o suspense in-your-face, com monstros, aberrações, e pouca sugestão.

Meu estômago, ao contrário, é muito mais vulnerável a filmes sutis, de horror implícito. Esse ano tivemos um excelente exemplar do gênero, o espanhol O Orfanato, de J.A. Bayona, com sua atualização tecnológica do terror gótico inglês - melhorando a já bem-sucedida tentativa do também espanhol Alejandro Amenabar e seu Os Outros, com Nicole Kidman.



Deborah Kerr e a vitória da Sutileza em Os Inocentes

A fonte cinematográfica dos dois, claro, é Os Inocentes, filme que Jack Clayton fez após o seu também extraordinário Almas em Leilão, que nada tem de sobrenatural, aliás. Os Inocentes é adaptação de A Volta do Parafuso, de Henry James, novella para se ler de joelhos e luz bem acesa. Mesmo com todo o seu brilhantismo, prefiro o James de catataus impenetráveis como A Taça de Ouro e As Asas da Pomba, mas essa é outra história.

Não conheço nada de literatura de horror - jamais lerei Stephen King, nem sob tortura -, mas já li uma ou outra coisa muito assustadora. Mesmo com meu parco conhecimento, acho que nada supera os capítulos transilvânicos do Drácula de Bram Stoker, com a exceção, talvez, do diário do capitão do barco no mesmo livro.

Das adaptações do Drácula, reconheço o maravilhamento de Nosferatu, mas para mim, o maior filme de Murnau não é esse, nem Aurora, Tartufo, A Última Gargalhada ou Fausto, e sim Tabu, feito com Robert Flaherty - que nada tem de assustador, a não ser pelo poder das imagens. Não morro de amores pelo Nosferatu de Herzog, apesar de Isabelle Adjani, e não conheço as versões com Bela Lugosi e Christopher Lee.



Drácula, o triunfo de Coppola

Em compensação, a injustiçada adaptação de Francis Ford Coppola é absolutamente magnífica, mesmo com Keanu Reeves e Winona Ryder nos papéis de Jonathan e Mina Harker. Coppola "recebe" Visconti novamente e tira da cartola uma ópera inebriante e profana, musical até na montagem e na fotografia, febris. É um filme extremamente excessivo e apaixonado, e por mais distantes que sejam os temas, é claramente obra do mesmo homem que concebeu e realizou Apocalypse Now. Cada qual em são canto, são ambos sinfonias do pânico.

quarta-feira, outubro 22, 2008

A Questão Humana

Não sou especialmente entusiasta de Luiz Zanin Oricchio (o grande crítico do Estadão é Luiz Carlos Merten, um louco apaixonado por filmes, à prova de ponto parágrafo), mas ele acertou em cheio quando definiu A Questão Humana, de Nicolas Klotz, como o modelo acabado de cinema político contemporâneo. A alma do negócio é ser evasivo: o filme não tem interesse em amarrar suas pontas, fazer discursos ou apontar o dedo a ninguém, mas é absolutamente insuportável, e deixa o espectador com o coração pesado no caminho para casa.

Simon Kessler é psicólogo do setor de RH da filial francesa de uma multinacional alemã, o responsável pela demissão bem sucedida de 1,2 mil pessoas no plano de reestruturação da empresa. Um de seus chefes pede uma avaliação psicológica do diretor geral, que estaria tendo estranhas crises de tristeza.

No fim das contas, Kessler vai descobrir uma ligação da empresa com a engenharia do nazismo e dos campos de concentração. O diretor assistente, por usa vez, foi uma das crianças do programa de adoção criado por Himmler, e tem associações com uma organização de extrema direita.


Ainda assim, com tudo isso nas mãos, o filme recusa corajosamente o thriller. O encadeamento dessas informações é vago, sem relações de causa e efeito. A similiridade entre a neutralização da linguagem empresarial e a do nazismo existe, mas não é acentuada. A Questão Humana prefere deixar as pontas desse novelo soltas: o que interessa é a implosão emocional de seu protagonista, que ocorre à medida que descobre mais informações sobre o passado da multinacional, mas não exatamente por causa disso - até porque o filme passa longe do excesso de dados dos filmes de teoria da conspiração, como JFK, de Oliver Stone.

A impressão final é de que a ligação com o nazismo é apenas um estopim para que a convivência com a desumanização empresarial necessária ao trabalho do RH finalmente faça mal a Simon Kessler. Filmando um inferno gelado em tons frios de azul e ritmo nada condescendente com a platéia - A Questão Humana é longo, lento e deliberadamente exaustivo - Klotz vai muito mais longe que o bom similar americano Conduta de Risco (Michael Clayton), de Tony Gilroy.

O passaporte para o inferno de A Questão Humana, aliás, é o maravilhoso ator Mathieu Amalric, aquele homem que, sem exagero, entregou uma das melhores atuações dos últimos 20, 30 anos, em Reis e Rainha. Seu desafio no filme de Klotz - a representação de uma falência pessoal sem quê nem porquê exatos, arcos de personagem ou motivação - é cumprido sem esforço aparente. O cara é um gênio.

Sugestão para sessão dupla: O Que Você Faria? (O Método Grumholm), de Marcelo Piñeyro, já em DVD.

domingo, outubro 19, 2008

Canções de Amor

Abaixo uma pequena amostra de Canções de Amor, de Christophe Honoré, um dos candidatos a filme do ano. Aqui em Salvador, o cara concorre com ele mesmo, já que o ainda melhor Em Paris chegou atrasado. Canções de Amor é um musical à Jacques Demy, só que filmado no meio da rua mesmo, em apartamentos de verdade, com espontaneidade Godard e romantismo Truffaut. Não é um lance de citação, mas de espírito. Enfim, a nouvelle vague voltou com tudo com a aproximação de seus 50 anos. O filme passou no Festival da SaladeArte, que programei, e deve entrar em cartaz logo logo. A amostra:

sexta-feira, outubro 17, 2008

Bravo!

Há 42 anos separando Todas as Mulheres do Mundo de Juventude, mas Domingos de Oliveira ainda consegue fazer um cinema pessoal, apaixonante e cada vez mais cheio das verdades que a idade faz enxergar - para quem vive de olhos abertos, claro. Seu filme novo, uma falação animada de pouco mais de uma hora sobre três amigos de terceira idade revendo a vida num fim de semana, tem idéias fortes e a melancolia inevitável que se abate sobre quem tem muito pouco a fazer na vida.

Ao mesmo, tem graça e energia trazidas por um diretor que continua filmando como menino, capaz de fazer ressoar com fluência e eloqüência o texto primoroso e aparentemente caótico que ele mesmo escreveu. É um filme que corre solto na sua alegria triste, dominado pela presença do próprio Oliveira novamente atuando e amplificando o registro autobiográfico de sua obra. Paulo José, seu alter-ego em Todas as Mulheres do Mundo, é presença fundamental para o estabelecimento dessa primeira pessoa, e Aderbal Freire tem a mais bela atuação masculina que vejo no cinema brasileiro em bastante tempo.



Domingos Oliveira e Aderbal Freire

O filme é arrasador, magnífico, lúcido, e seria o fecho perfeito da obra de Domingos. Mas, além da imensa saudade que ele deixaria com sua visão de mundo nouvelle vague - muito masculina, apaixonada pela vida e com tendência a se entregar mesmo quebrando a cara -, a pilha ainda está longe de acabar. Juventude estreou em Gramado, e logo depois, no Rio, ele apresentou Todo Mundo Tem Problemas Sexuais, mais um filme para sua cada vez mais brilhante carreira. Bravo!

P.S.: Relembrando de Sinédoque, Nova York à luz desse filme, acho que descobri por que não gosto de Charlie Kaufman. Ele, ao contrário de Domingos, não sabe nada da vida, e seu ensimesmamento intelectual e obsesseivo me mostram um artista pouco disposto a viver tudo que lhe é possível. Seus ensaios sobre amor, arte e morte recheados de truque me parecem ainda mais ingênuos e superficiais.

quarta-feira, outubro 15, 2008

Kaufman / Allen

Não vi A Natureza Quase Humana e Confissões de uma Mente Perigosa, mas conheço as obras mais famosas vindas do teclado de Charlie Kaufman: Quero Ser John Malkovich, Adaptação e Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças. Reconheço que ele tem idéias e habilidade, mas Kaufman não me interessa muito, porque tem sempre mais dedicação aos truques de roteiro do que às pessoas que habitam os filmes que seus textos vão gerar.

Mesmo que Quero Ser John Malkovich seja quase sempre brilhante, e os dois seguintes estejam num nívem bem bom, eu meio que suspeitava que Sinédoque, Nova York, estréia de Kaufman na direção fosse ser tão fora de controle como é.



Para o espectador, cabe decidir se é bacana ou não ser a vítima de uns bons dez anos de neuroses pessoais e artísticas atiradas na platéia com o mínimo de alinhavamento cinematográfico. É tudo um grande brainstorm, um rascunho não editado. A normalidade vai sendo abandonada pouco a pouco, o filme incha de surrealismo até as duas horas e meia de projeção, e não chega a lugar nenhum. Em estado bruto, as idéias de Kaufman conseguem ser ainda menos interessantes do que eu acho que elas normalmente são.

***

Desde o fraco Melinda & Melinda, que reunia de uma vez só a mesma história contada como tragédia e comédia, Woody Allen tem alternado os dois registros, filme sim, filme não: Match Point, Scoop, O Sonho de Cassandra e agora Vicky Cristina Barcelona, que é o mais solar de todos.



Não há nada de muito especial em relação à obra dele, mas, para quê, se é tudo tão prazeroso? Pessoalmente, Vicky... me lembra um grande filme leve, Conflitos de Amor, de Max Ophuls, adaptado da peça La Ronde, de Schnitzler. As pessoas flutuam numa ciranda interminável: uma se apaixona por outro, que ama um terceiro, e assim sucessivamente. O filme não acompanha os personagens, mas o amor: vai pulando de um em um, e cada ator fica só dez minutos em cena, por aí.

O novo Allen é diferente e menor, claro, mas é dotado da mesma leveza. As pessoas, mesmo que não se entreguem, estão extremamento vulneráveis aos próprios sentimentos, receptivas. Os encontros são bruscos, aparentemente forçados, mas sempre naturais. Parece um desses filmes como Feitiço da Lua, em que um fator imponderável deixa todo mundo mais sensível - é o tom perfeito para um filme de férias como esse, sobre americanos que vão aprender a viver do outro lado do oceano. Ah, mesmo "ok", Allen engole Kaufman em qualquer dia da semana.

terça-feira, outubro 14, 2008

Aquela canção do Roberto

Já que passei os últimos dois dias pensando em Roberto Carlos, duas listas para me exorcizar do cara.

10 canções emprestadas

10 - Nossa Canção (Luiz Ayrão)
9 - Outra Vez (Isolda)
8 - Não Vou Ficar (Tim Maia)
7 - Do Outro Lado da Cidade (Helena dos Santos)
6 - Muito Romântico (Caetano Veloso)
5 - Só Vou Gostar de Quem Gosta de Mim (Rossini Pinto)
4 - Canzone Per Te (Sergio Endrigo)
3 - Ai Que Saudades da Amélia (Ataulfo Alves e Mário Lago)
2 - Como Dois e Dois (Caetano Veloso)
1 - Maria, Carnaval e Cinzas (Luiz Carlos Paraná)

Comentários: Eu amo a gravação de "Não Vou Ficar", mas ela fica lá embaixo porque outras pessoas já fizeram melhor. As outras, não, são totalmente Roberto, mesmo Ai Que Saudades da Amélia. A versão resgatada na coletânea San Remo 1968 é linda, e mostra o que RC poderia ter sido se tivesse seguido a veia samba-bossa-nova de suas primeiras canções. Pelo mesmo motivo, "Maria, Carnaval e Cinzas" é a número um. Roberto nem faz esforço: sua voz encontra como que por instinto a tragédia da música, que aliás, é magnífica. O link que postei é prum festival da Record, versão ao vivo, emocionante. "Que fosse chamada /então como tantas / Marias de santa / Marias de flor".

As duas canções de Caetano também encontram outra face da versatilidade de RC: puxam para um som meio rock, aguitarrado, meio soul, meio jazz - música negra americana com a qual Roberto também flerta em "Jesus Cristo" (ver abaixo). "Do Outro Lado da Cidade" é uma brisa no rosto, encantadora, e o resto segue a cartilha muito bem realizada do drama de desilusão amorosa. Sobrou no último minuto: Sonho Lindo, novelão que, talvez vocês lembrem, foi emporcalhada por Paulo Ricardo e parou na trilha de uma novela do SBT.

10 canções do Roberto

10 - Você
9 - Eu Te Amo, te amo, te amo
8 - Amada, Amante
7 - Desabafo
6 - As Curvas da Estrada de Santos
5 - Fera Ferida
4 - As Canções Que Você Fez Para Mim
3 - Jesus Cristo
2 - Quero Que Vá Para Tudo Pro Inferno
1 - Detalhes

Comentários: Acho que, para mim mesmo, só uma grande surpresa. A religião tornou RC um xarope, mas "Jesus Cristo" tem uma maravilhosa vibração spiritual, que, apesar de ser tradicional, é completamente sintonizada com o espírito dos anos 70 - poderia sair daqui direto para um musical da Broadway (Godspell?), e, em seguida, influenciar o Prince de When Doves Cry. Eu acho.

Tirando "Desabafo" e "Fera Ferida", tudo está entre 65-75, por aí. É a grande fase do cara, mesmo que no final dela já tivesse virado um protótipo de tudo de ruim que seria nos 30 anos seguintes. Mesmo assim, fazia o novelão lindamente, como na épica número um: "Detalhes". A música continua imbatível, implacável como uma marreta, e sempre me traz lembranças daquele filme venenoso de Truffaut, A Mulher do Lado.

Eu falei no post anterior que boa parte dos grandes hits de RC é sobre alguém remoendo uma paixão perdida. "Eu Te Amo, Te Amo, Te Amo", no entanto, é ambígua, fala mais de um amor interrompido, e não terminado. E, apesar do tema, "As Curvas da Estrada de Santos", "As Canções Que Você Fez Para Mim" e "Quero Que Vá Tudo Pro Inferno" recusam o tom abolerado: são as melhores canções de rock da história desse país. (Confiante).

Enfim, o número dez foi claramente a escolha mais difícil. "Você" derrotou no sprint final "Olha" e "Eu Estou Apaixonado Por Você". Nesse caso, a tristeza dilacerante venceu o otimismo e a melancolia discreta.

*Links com versões originais, na medida do possível. Se não tem link, ou não achei, ou encontrei uma versão sabotada pelo próprio RC depois que perdeu a lucidez.

domingo, outubro 12, 2008

Neste mundo desamante

Esse blog de Caetano é realmente um (bom) achado. Do último post, resolvi reproduzir isso aqui:

Falando em rei, hoje ouvi no rádio do carro a gravação de Bethânia de “Fera ferida”. Como é que Roberto fez essa canção tão extraordinária numa fase em que já não era de se esperar dele algo assim contundente? “Fera ferida” é tão boa quanto “Curvas da Estrada de Santos” e chega a bater lá em cima, em “Se você pensa”. Começa dizendo “acabei com tudo” - e nunca mais a peteca cai, em duas longas estrofes com rimas fortes para idéias fortes, indo desaguar no refrão desafiador “não vou mudar”. Esse refrão soou (e soa) como um paradoxo violento: Roberto dizendo que não muda (e explicando em tom de queixa que “esse caso não tem solução”) justamente quando estava mudando pela primeira vez em muitos anos.
Ouvir isso hoje - e na voz de Bethânia - me fez chorar. (Eu também gravei essa canção - do que muito me orgulho - mas é só uma homenagem ao grande acontecimento poético: a gravação não está à altura da música).

Caetano é louco, mas é sábio. Roberto Carlos foi durante muito tempo brilhante, mas mesmo quando caiu de produção sempre foi capaz de surtos de genialidade, justamente como Fera Ferida.

A canção é um exemplo do que RC sabe fazer de melhor - letras sobre amores destruídos, vistos à sombra do tempo. O topo deste sentimento é a fenomenal e canônica Detalhes, cada vez mais a minha música preferida dele, mas passa também por outros clássicos como À Distância, As Curvas da Estrada de Santos, 120... 150... 200 km por hora e As Canções Que Você Fez Para Mim. Também se estende a letras que não são de Roberto, mas que se tornaram dele de maneira irreversível: Como Vai Você, Outra vez e Canzone Per Te.

É engraçado passar nesse tema até mesmo em canções sobre amores ainda não totalmente destruídos. A origem de todas essas músicas que citei pode ser a tormenta de Desabafo:

Por que me arrasto aos seus pés?
Por que me dou tanto assim?
E por que não
peço em troca?
Nada de volta pra mim?...


Fora disso, RC tem outras lindas canções muito subestimadas do amor ainda verde, antes de entrar em modo de auto-destruição. Eu Estou Apaixonado por Você:

Fico esperando um minutinho
Mesmo que seja só pra ganhar um beijinho
Rapidamente e depressa dizer
Que eu estou apaixonado


Já em Amada Amante, um caso raro de promessa de eternidade, de relacionamento forte e maduro, sem fim à vista:

Neste mundo desamante
Só você amada, amante
Faz o mundo de nós dois

quinta-feira, outubro 09, 2008

Onde Navego Meu Barco ao Vento de Sete Paixões

Ando pensando muito em Bob Fosse: aquele vídeo de ontem é conseqüência de uma conversa numa comunidade do Orkut sobre ele, surgida a partir de Chicago - e da notícia que o diretor Rob Marshall vai dirigir Nine, versão do musical da Broadway inspirado no Fellini Oito e Meio. Peguei há poucomeu exemplar de Um Filme é Para Sempre para ler o artigo de Ruy Castro sobre Fosse, mas não demorei muito. Pulei umas duzentas páginas e caí em "Uma Fábula Amoral de Belle Époque", texto sobre Todas as Mulheres do Mundo, de Domingos de Oliveira.

Conheço pouco a história do cinema brasileiro, mas gosto muito de alguns filmes, como os básicos O Pagador de Promessas, Pixote, Deus e o Diabo na Terra do Sol e Noite Vazia. Mas, caso de amor mesmo, só com Todas as Mulheres do Mundo, o nosso Noivo Neurótico, Noiva Nervosa, e, ouso dizer, melhor que o filme de Woody Allen. (E anterior, aliás. Domingos de Oliveira não pode ser o Woody Allen brasileiro porque ele já existia antes do diretor americano).



Diniz com 21 anos em 66

Enfim, nunca vi imagens nacionais mais belas do que as de Paulo José e Leila Diniz zanzando entre Copacabana e Ipanema num filme-sonho decalcado da nouvelle vague: p&b, câmera na mão, jumpcuts. A cara de Godard, mas com alma de Truffaut. Mas, ao contrário do francês, Domingos quebra a cara mas acredita no amor.

Ele já era ex-namorado de Leila Diniz quando a dirigiu, do mesmo jeito que Allen tinha perdido Diane Keaton em Annie Hall, mas se recusou a criar um final melancólico como o do filme americano. No fim de Todas as Mulheres do Mundo, casamento e festinha de criança sem um pingo de conservadorismo. Moderno é mostrar que as pessoas que se amam têm mesmo é que ficar juntas.



Toda mulher é Leila Diniz

Depois de uma longa parada com o cinema, Domingos voltou a filmar no fim dos anos 90. Perdi Amores, mas adoro todos os filmes que vieram em seguida: Separações, Feminices, e Carreiras. A estrela dos três é a nova mulher de Domingos, Priscila Rozembaum, uma mulher tão humana quanto sensacional - a prova que o diretor estava certo em apostar no final feliz de Todas as Mulheres do Mundo.

Confissão: no último Dia Internacional da Mulher eu estava escrevendo uma matéria sobre a data. No desespero para conseguir alguma aspa que prestasse, meio que arrumei coragem e liguei para a casa de Domingos. Foi tudo meio rápido, ele estava de saída. Quem atendeu foi Priscila, que disse achar os tempos atuais uma maravilha para as mulheres, que podem ser livres, e tal - isso em resposta à pergunta extremamente tola e estúpida que eu soltei, nervoso.




Priscila Rozembaum em Carreiras

Domingos tomou o telefone e desmentiu, disse que hoje em dia as mulheres não sabem aproveitar a liberdade e são todas neuróticas, e que as dos anos 60 eram as que sabiam viver com ousadia. Ele se despediu, e os dois continuaram resmungando, como se fosse num filme dele. O texto acabou ficando uma merda, uma matéria de comportamento muito mal amarrada que, infelizmente, ainda foi publicada em página inteira, para o meu constrangimento. Apesar disso, fiquei feliz por alguns dias por ter trocado algumas palavras com pessoas que admiro tanto. Melhor dizer isso aqui no blog, porque, ao vivo, não tenho coragem de tietar ninguém.

quarta-feira, outubro 08, 2008

Steam Heat

Um Pijama Para Dois é um filme menor do gênio Stanley Donen (Charada, Cantando na Chuva), mas tem uma das cenas mais perfeitas de todos os tempos:



Créditos da coreografia para Bob Fosse, claro.

terça-feira, outubro 07, 2008

Tempestade Sobre Washington

Eleições, eleições. Os maiores filmes políticos que vi são americanos. Gosto muito de Frank Capra e sua visão aparentemente ingênua e utópica do que deve ser uma democracia. Há algo de quase demagogo no otimismo dele, mas, por outro lado, seus filmes sempre são fiéis aos princípios de correção democrática que estão na base da construção da idéia de América.

Talvez por isso, um filme como A Mulher Faz o Homem (de Capra) seja muito melhor obra-tese do que visão do cotidiano da vida na política, mesmo nos altos escalões. Para isso, prefiro Tempestade Sobre Washington, de Otto Preminger.

O filme é centrado na batalha no senado americano para aprovar ou não o novo Secretário de Estado indicado pelo presidente americano. Quando um senador de Utah consegue levantar fortes entraves para derrubar a indicação, parte da bancada se mobiliza para descobrir um podre do senador e derrubá-lo.


Laughton (esq) é ACM

O grande sucesso de Tempestade Sobre Washington é a recusa do suspense. Seu andamento é calmo, e as conspiração não são tensas, e sim anedóticas, muito embora sejam também bastante perigosas, e até fatais. Adoro, em especial, a raposa sulista interpretada pelo grande ator inglês Charles Laughton, que tem muito do que imagino ter sido ACM no seu auge: uma mistura incrível de carisma e esperteza.

Tempestade Sobre Washington é de 62... Exatamente nessa época, Robert Drew dirigia seus fascinantes documentários sobre Kennedy, filmes leves e ágeis sobre os bastidores do poder.

quinta-feira, outubro 02, 2008

23

Ano passado, comemorei meu aniversário (2/10) com uma listinha de 22 filmes que venero. Gostei da brincadeira, e repito esse ano, com outros 23 filmes que não estavam presentes no ano anterior. Tomara que vire tradição. Munição não vai faltar:

23 - Touro Indomável, de Martin Scorsese



22 - Pauline na Praia, de Eric Rohmer



21 - Férias de Amor, de Joshua Logan



20 - A Malvada, de Joseph L. Mankiewicz



19 - Corpos Ardentes, de Lawrence Kasdan



18 - Bonequinha de Luxo, de Blake Edwards



17 - Johnny Guitar, de Nicholas Ray



16 - Todas as Mulheres do Mundo, de Domingos de Oliveira



15 - Chinatown, de Roman Polanski



14 - Uma Aventura na Martinica, de Howard Hawks



13 - Cabaret, de Bob Fosse



12 - A Noite dos Desesperados, de Sydney Pollack



11 - Tragam-me a Cabeça de Alfredo Garcia, de Sam Peckinpah



10 - Ondas do Destino, de Lars von Trier



9 - Verão Violento, de Valerio Zurlini



8 - O Eclipse, de Michelangelo Antonioni



7 - E.T., de Steven Spielberg



6 - Amarcord, de Federico Fellini



5 - A Ascensão, de Larissa Shepitko



4 - Uma Mulher Sob Influência, de John Cassavetes



3 - Crepúsculo em Tóquio, de Yasujiro Ozu



2 - Se Meu Apartamento Falasse, de Billy Wilder



1 - Nashville, de Robert Altman

Nossa canção

Tenho certa suscetibilidade a algumas coisas impopulares, normalmente consideradas de mau gosto. Eu acredito piamente no romantismo de alguns filmes e cenas bregas. Nunca vi Forças do Destino até o fim; aliás, só vi trechos. Não sei o nome do diretor, roteirista, nada. Só sei que Ben Affleck está viajando para se casar e encontra Sandra Bullock num trem. O filme tem um bela fotografia.

Um fragmento dessa confusão me chamou a atenção, na frente da tv, numa Sessão da Tarde dessas que a gente vê pela metade: o ex-namorado da noiva de Affleck quer impedir o casamento, e canta para ela a "música do casal", numa voz terrível e desafinada, como último apelo. A canção é "Against All Odds", de Phil Collins, clássico dos cursinhos de inglês. A menina do filme fica balançada.



Há outros exemplos de inserção de música amplamente tida como brega em filmes muito mais sólidos do que imagino que Forças do Destino seja. "More Than This", do Roxy Music, cantada em karaokê numa das cenas mais lindas do incomensuravelmente sutil Encontros e Desencontros, de Sofia Coppola, é desconcertante. Vejam os olhares de Bill Murray e Scarlett Johansson... Acabei de ouvir a canção na versão original no YouTube, e provavelmente é só a boa lembrança do filme, mas... Pra meter o pé na jaca de vez, nos vídeos relacionados há uma versão do Roxy Music para Jealous Guy, de John Lennon. Não cheguem perto, porque é muito bom.

Eu podia continuar dando exemplos disso aqui, mas acho melhor parar com o grande Lars von Trier. Em sua obra-prima Ondas do Destino, ele divide a historinha em capítulos, do mesmo jeito que fez com Dogville. Cada passagem de capítulo dessas é feita com canções pop sobre imagens épicas de paisagens nórdicas - provável presságio do rompante divino com que o diretor nos presenteia no desfecho.



Quando os parafusos já estão todos apertados ao limite e ficamos próximos do sufocamento emocional, fica difícil não sair do eixo com Your Song, de Elton John, abrindo o momento definitivo dessa história de amor e sacrifício. O engraçado é que a idéia original de LvT era usar Life on Mars, de David Bowie, mas, exceto na versão dinamarquesa, a canção foi removida por problemas com direitos autorais.

Por que estou postando isso? Há uma idéia equivocada de que Caetano Veloso é adepto do mau gosto, por causa de suas recentes reciclagens do cancioneiro brega-popular. Ouvindo "Moça", de Wando, na voz de Caetano, só posso achar o contrário. As interpretações de Caetano destroem as versões originais e trazem essas músicas à luz de uma interpretação que não tem nada de simplória, e mantém o poder de emocionar sem apelar pro descabelamento. Não há nada de mau gosto nisso. O melodrama de Caê é de fina estampa.