sábado, setembro 30, 2006

Comida, diversão e arte

Em comemoração aos 50 anos da Escola de Nutrição da UFBA, estamos apresentando a mostra "O Cinema, a Comida e o Comer" com a exibição de filmes cuja temática central gira em torno da comida e do comer, seguidos de debates. O evento ocorrerá sempre as terças às 18 horas. O evento tem como apoio a Pró-Reitoria de Extensão e a Casa do Cinema.

Na programação de outubro serão exibidos os seguintes filmes:
03.10 A festa de Babette (Babettes Gaestebud, Gabriel Axel, 1987, Dinamarca), A comida enquanto celebração da vida. Debatedor: Saymon Nascimento (FACOM);
10.10 A Comilança (La Grand Bouffe, Marco Ferreri, 1973, França/Itália), A comida enquanto prazer e enquanto projeto suicida. Debatedor: Professor André Setaro (FACOM);
17.10 Tomates Verdes Fritos (Fried Green Tomatoes, Jon Avnet, 1991, EUA); A comida como fator integrativo nas desavenças humanas.Debatedor: Professor Fernando Conceição (FACOM);
24.10 Super Size Me, A Dieta do Palhaço (Super Size Me, Morgan Spurlock, 2004, EUA); A comida na sociedade de consumo como combustível mortal. Debatedor: Professor Fernando Conceição (FACOM);
31.10 O Cozinheiro, O Ladrão, Sua Mulher e o Amante (The Cook, the Thief, his Wife & her Lover, Peter Greenway, 1989, França/Inglaterra/Holanda). A comida como ingrediente do sexo, arte e humor negro. Debatedor: Professor André França (FTC) .

Local: Auditório de Nutrição

terça-feira, setembro 26, 2006

Faster

>>> O melhor filme que vi em agosto foi Weekend à Francesa, de Godard. Muito me irritam as freqüentes associações que fazem entre ele e um cinema debilóide, pseudo intelectual. Tudo bem que ele perdeu a cabeça em algum lugar dos anos 70, mas nesta grande fase, ninguém poderia batê-lo. Weekend é Godard endiabrado, anfetaminado, extremo - o equivalente a Desconstruindo Harry na carreira de Woody Allen. O autor em modo hard. Uma hora e quarenta minutos de alucinação nonstop, road movie do absurdo. O cômico é que o hard-Godard parece com alguns Buñuel, Via Láctea, talvez. Na comparação direta, Weekend é bem melhor.
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>>> Setembro ainda não acabou, mas posso dizer que gostei muito de 3 filmes. Todas as Mulheres do Mundo e sua levada nouvelle vague, homem ama as mulheres, até encontrar todas em uma só: Maria Alice, ou Leila Diniz. A Conversação, filme do futuro que Coppola fez em 74, entre os dois primeiros Godfather, mas em versão Polanski. Paranóia, sangue e frio na espinha do mesmo tipo encontrado em O Bebê de Rosemary ou O Inquilino, sem o sobrenatural. As Aventuras de Robin Hood é o máximo do cinema como diversão de feira. Capa e espada com Errol Flynn, Olivia de Havilland e Claude Rains, em produção classe AAA. Nada pode ser mais divertido.
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>>> Dos filmes lançados esse ano, observo duas idéias recorrentes. A melancolia pós-faroeste resgatada lindamente em Três Enterros e Brokeback Mountain, mas tratada com desleixo por Win Wenders em Estrela Solitária, grande decepção. Miami Vice é excessivo ao extremo, mas Michael Mann filma com tanta urgência e brutalidade que, ao invés de estranhar Colin Farrel, Jamie Foxx e Gong Li em Cidade do Leste, penso que o crime está mesmo muito sofisticado. Junto com Munique e O Jardineiro Fiel, Miami Vice mostra o mundo em perigo, enredado nas teias do terrorismo e do crime organizado. Globalização?
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>>> Pondé, essa é a deusa contemporânea. Emmanuelle Beart, de Missão Impossível e Oito Mulheres. Boca rasgada, insinuante; corpo incomparável. Acho que bate Monica Bellucci.
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sábado, setembro 16, 2006

New York, New York


Na página de Opinião do A Tarde de ontem, Vitor Pamplona escreveu sobre tempo e decadência de artistas, a partir do exemplo de Francis Ford Coppola. Fiquei pensando no quanto isso também vale para Martin Scorsese, contemporâneo. Vivendo no Limite, Gangues de Nova York e O Aviador são bons, maduros, mas encolhem ao ponto da insignificância em relação a New York, New York, normalmente tido como “filme menor”. Nesse caso, trata-se de uma injustiça, pois trata-se de uma obra-prima, tão potente como Taxi Driver ou Os Bons Companheiros. O diretor, agora em fase DiCaprio, não parece mais ser capaz de fazer algo no mesmo nível.
No dia da capitulação do Japão, na Segunda Guerra, Jimmy Doyle (Robert De Niro) e Francine Evans (Liza Minnelli) se conhecem em um clube de jazz: festa, confete, farra. Ele é saxofonista, ela, cantora. Ambos estiveram afastados da música, lutando na guerra, como soldado e enfermeira. A primeira hora é isso, a apresentação desse namoro, sempre pontuada por standards de Gershwin e cia, além de canções inéditas de John Kander e Fred Ebb (Chicago, Cabaret). Apesar do rigor de Scorsese, o filme não parece que vai segurar seus 163 minutos.
O fôlego vai aumentando à proporção que o caso se torna mais sério e, conseqüentemente, conflituoso. Em Scorsese, os personagens são tão intensos que não cabem no corpo, estão sempre explodindo, chocando-se uns com os outros. De Niro faz com brilhantismo esse tipo de coisa. Jimmy Doyle não deixa de ser uma versão saudável (embora perigosa) de Jake de LaMotta, ou Travis Bickle. Sua presença garante tensão constante, incômodo.


O choque entre Jimmy e Francine é potencializado pela convivência full-time, casamento e trabalho, na mesma banda. Quando Francine começa a se destacar em críticas, atraindo produtores, a tensão fica insuportável. Filme entra na rota de Nasce Uma Estrela, de George Cukor, com Judy Garland, mãe de Liza. A consagração da mulher oprime o ego do marido, que perde as estribeiras. A semelhança física e profissional entre mãe e filha só reforça a comparação.
Melodrama parece material inadequado para Scorsese, mas apesar da imagem estranhamente edulcorada, temos um legítimo filme de autor. Há a dureza habitual do diretor nesse processo de separação, em altas madrugadas e depois de algumas doses de whisky. Filme segue em crescendo de agonia até o nascimento do primeiro filho, ponto para uma virada inesperada.
Antes da violência emocional alcançar o ponto de um Touro Indomável, ocorre o divórcio. Muito tempo depois, Francine vira uma estrela, e entra em cena o grande momento do filme, mais uma prova do imenso repertório de Scorsese como cineasta e crítico. A Época da Inocência e O Aviador, por exemplo, foram traduções cinematográficas rigorosas de coisas que ele admira como espectador – o melodrama operístico de Visconti e a grande biopic clássica hollywoodiana do cinema clássico, respectivamente.


Em New York, New York, ele refaz apaixonadamente a idéia do musical biográfico da personagem Vicky Lester em Nasce Uma Estrela. São vinte minutos que compilam os números musicais de um filme estrelado por Francine, Happy Endings, com praticamente a mesma trama de A Star is Born, e a mesma moral dele e do New York: incompatibilidade de sucesso e amor quando os egos são muito fortes. Na trama de Happy Endings, uma lanterninha é alçada ao sucesso por um produtor da Broadway que a abandona quando ela está no topo – ele não quer se tornar o sr. Peggy Smith.
Scorsese voa no tempo para filmar coreografias em cenários estilizados, figurinos excessivos, fotografia brilhante, cheia de vermelho, do jeito que se fazia na MGM. Na verdade, não parece um filme de 77 sobre uma história passada no final dos anos 40. Não; estamos diante de algo filmado no próprio período da trama. Happy Endings descortina o que era insinuação e mostra New York, New York já era assim desde a primeira cena, coerência impecável de visual, roteiro, interpretações. Scorsese consegue fazer o que quiser por ter domínio técnico e histórico, de sua arte.
Happy Endings também deve ser o topo da carreira de Minnelli, e falamos da mulher que foi Sally Bowles em Cabaret... O que faz aqui é reviver a própria mãe, à altura. Canta, dança e interpreta em altíssimo nível, provocando comoção e tristeza ao mesmo tempo. Comoção porque performances completas como essa são muito raras. Tristeza porque sabemos que, no cinema, este foi seu último momento expressivo. A exemplo de Coppola e Scorsese, entrou em decadência. Ainda assim, parece ser a menos culpada. Nasceu 20 anos mais tarde do que deveria, numa época em que o cinema não mais a comportava.


Não bastasse esse ponto alto de música, interpretação e cinema que é o Happy Endings, Scorsese ainda nos entrega dois brindes. Minnelli canta “New York, New York” (hoje famosa na voz de Sinatra), a canção que representa o velho amor perdido no tempo. No filme, Jimmy fez a partitura e Francine, a letra. Logo depois, a cena final incrivelmente melancólica, talvez uma expressão da inutilidade de tentar renascer o amor (ou o cinema), quando seu tempo já passou.
PS.: Fui informado pelo IMDB que a versão original do filme tinha 4 horas, cortadas para 163 minutos - o que provocou a exclusão completa de Happy Endings. É claro que o filme é muito mais do que isso, mas esses 20 minutos não somente são perfeitos, mas colocam o todo sob outra dimensão. Ainda bem que existe o DVD, enfim.

Roque

XEQUE-MATE
Prioridade de Xeque-Mate (Lucky Number Slevin), de Paul McGuigan, é mais uma vez fazer o elogio da cultura pop, e assim, quem sabe, se tornar um cult para quem compartilha as referências apresentadas em seus 109 minutos. Cenários e roupas estilizados, reviravoltas no roteiro, humor negro, diálogos pretensamente irônicos e citações a discos e filmes: é o tipo de coisa produzida por gente jovem, com grande capacidade de absorver som e imagem, ressaltando na sua expressão (filme, quadrinhos, tevê) esse repertório adquirido.
Guy Ritchie (Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes), é bom exemplo de um diretor capaz de fazer isso de maneira competente. Para a maioria dos outros diretores que se aventuram em empreitadas semelhantes, isso nem de longe garante que o produto final será bom. A ganância pop costuma jogar a habilidade narrativa para terceiro plano, como é o caso dessa estréia.
Continua... (é o segundo texto)

domingo, setembro 10, 2006

Truffaut e as mulheres

Em O Homem que Amava as Mulheres, François Truffaut criou um personagem obcecado pelo sexo feminino para falar de si mesmo. Biógrafos contam histórias maravilhosas sobre isso: ele sempre se apaixonava pela estrela do filme que estava dirigindo, e talvez por isso, elas eram retratatas como deusas absolutas. Apesar disso, Roger Ebert nos lembra, todos os papéis femininos que ele criava tinham graves debilidades psicológicas, herança hitchcockiana. Tendo visto já boa parte de sua filmografia, e como ensaio para meu projeto de lista "As Mulheres Mais Espetaculares do Cinema", fiz uma compilação com minhas preferidas nos filmes do diretor.
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10 - Delphine Seyrig como Fabienne Tabard, em Beijos Proibidos
Antoine Doinel - personagem alter-ego de Truffaut em 5 filmes - já está casado e trabalha como detetive particular. Seu caso: o dono de uma loja de sapatos quer saber porque os funcionários lhe odeiam. Doinel passa a trabalhar disfarçado na loja, mas suas investigações são atrapalhadas pela presença de Fabienne Tabard, mulher do comerciante. Mesmo sem a beleza impressionante do tempo do Marienbad, charme não falta a Seyrig.

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9 - Bernadette Lafont como Camille Bliss, em Uma Jovem Tão Bela Como Eu
Camille está presa por assassinato, e é entrevistada por um estudante de sociologia preparando um texto para pós-graduação. O filme é uma comédia, e se sustenta nas travessuras sexuais de Camille, a garota meio burra, mas que sabe usar seus dotes físicos. Esses dotes são amplamente explorados por Truffaut. Se o filme fosse bom, o papel cairia bem numa Marilyn Monroe. Lafont não chega a tanto, mas faz sua parte.

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8 - Catherine Deneuve como Marion Steiner, O Último Metrô
Na Segunda Guerra Mundial, Deneuve é um atriz envolvida com um colega de peça, enquanto tenta esconder o marido judeu dos nazistas que ocupam a França. Filme morno, cuja única graça é a intensidade de Deneuve como mulher infiel. Poucas vezes esteve tão elegante, discreta. Sua agonia casa muito bem com a ambientação fria, nebulosa. Perfeita pra uma versão de Fim de Caso.

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7 - Jacqueline Bisset como Julie, em A Noite Americana
Bisset é belíssima, mas não deixa de ser a protagonista mais insípida de Truffaut. A deusa dele nesse filme é o próprio cinema; os personagens, acessórios. Valentina Cortese e Nathalia Baye se destacam, mas nenhuma delas é a musa, a protagonista do filme dentro do filme, a "estrela americana". Mesmo que o papel não ajude, Bisset conquista seu espaço só por aparecer na tela.

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6 - Julie Christie como Clarisse e Linda, em Fahrenheit 451
Como Christie se tornou um símbolo sexual tão forte? Vítor Pamplona explica: "mais importante não é ser bonita - é comportar-se como se fosse". Christie era bela sim senhor, mas foi sua "presença" que garantiu supremacia sobre mulheres muito mais bonitas. Nos olhares, gestos, voz, a moça magrela ficava deslumbrante. Não à toa foi a Lara de Dr. Jivago, e Mrs. Miller em Quando os Homens são Homens. Fahrenheit 451 se passa no futuro (onde os livros são proibidos), Christie faz jornada dupla como a esposa alienada e a amante esperta de um policial que descobre a literatura.

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5 - Françoise Dorleac como Nicole, em Um Só Pecado
Irmã de Catherine Deneuve falecida precocemente, Dorleac é uma aeromoça que aparece para iluminar a vida de um professor de literatura em viagem a Lisboa. Iluminar é a palavra certa. Dorleac domina o P&B como uma diva do cinema mudo, mas sem as teatralidades: frágil, adulta, apaixonante. Vale dizer que pouca coisa de Truffaut é melhor do que esse filme delicado e sutil sobre paixão, adultério e vingança. Nada a ver com novela mexicana.

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4- Isabelle Adjani como Adele Hugo, em A História de Adele H.
A filha de Victor Hugo viaja para os Estados Unidos atrás de um amor não-correspondido, sofre com as seguidas rejeições, faz várias loucuras, até perder o controle das faculdades mentais. O papel é dificílimo e o filme, pesado. Truffaut precisava de uma atriz intensa. Viu Adjani num teatro e, diz a lenda, escreveu-lhe uma apaixonada carta, cujo trecho mais célebre é: "Você merece ser filmada todos os dias, inclusive aos domingos".

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3 - Claude Jade como Christine Doinel, em Domicílio Conjugal
A maravilhosa esposa de Antoine Doinel é um encanto sem fim, desde Beijos Proibidos. Ela já começa Domicílio Conjugal feliz da vida,passando em várias lojas, somente para corrigir os vendedores: "Mademoiselle, não. Madame!" Somente o comportamento meio insano de Doinel para justificar suas infidelidades. Quem tem uma mulher dessa em casa não precisa de mais nada na vida. No filme, ele corrige o erro a tempo, e ruma para um dos finais mais felizes já vistos.

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2 - Jeanne Moreau como Catherine, em Jules e Jim
O filme deveria se chamar Catherine: Jules e Jim apenas gravitam em torno dessa mulher louca, intensa, arrebatadora. Mulher complexa, cheia de nuances, nada fácil: impossível de ser contida, sexual e emocionalmente. Moreau não deixa pedra sobre pedra do espectador - seria essa a melhor interpretação da história? A boca amarga, o olhar hipnótico, enquanto canta "Le Tourbillon de la Vie". Muito boa a história de Milton Nascimento com Jules e Jim. Viu quatro vezes seguidas, no mesmo dia, e compôs por dias sem parar, sob efeito da poesia da coisa toda.

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1 - Fanny Ardant como Mathilde Bauchard, A Mulher do Lado
Em A Mulher do Lado o adultério vira crime - Ardant é a mulher ao mesmo tempo frágil e perigosa; pode causar danos a si mesma e a quem ama, mas não pode evitar, arrebatada de amor. Nunca pudica, ela é o exemplo perfeito do amor espalhado por todo o corpo - não somente em sua vontade de expressá-lo fisicamente pelo sexo, mas também como uma doença. Já viram isso antes? Ela desmaia de amor, tamanha a tensão. Seus estados ficam alterados, irradiando paixão nos cabelos, nas pernas, nos olhos insinuantes.
O engraçado é que ela hoje é tão bonita como há 30 anos. Alguém viu 8 Mulheres?

Obs.: Fora da disputa: De Repente, Num Domingo; A Sereia do Mississipi, O Garoto Selvagem, As Duas Inglesas e o Amor, O Quarto Verde; O Amor em Fuga.

Mais fotos de Ardant: