quinta-feira, janeiro 29, 2009

Cinco vezes Winslet

Quando se afirma que Kate Winslet é a melhor atriz de língua inglesa de sua geração, a frase não é apenas mais um superlativo banal da crítica, usado em excesso para quem merece e quem não merece. A prova é a carreira da moça, rica em grandes interpretações, e marcada pela rebeldia e paixão dos personagens que ela escolheu viver. Sua presença na tela é a mais agressivamente magnética do cinema americano-britânico desde Jane Fonda. Cinco destaques pessoais:



Razão e Sensibilidade, de Ang Lee - Nesse maravilhoso filme chá-com-biscoito, vencedor do Urso de Ouro no Festival de Berlim, Winslet é Marianne Dashwood, o contraponto apaixonado e sensível de sua irmã Elinor, Emma Thompson, um monumento de sensatez e alter-ego da escritora Jane Austen, que escreveu o romance original. Quem leu esse clássico sabe que Winslet acerta todas as notas de sua inconsequente heróina romântica, ainda mais quando o texto que tem nas mãos foi tão brilhantemente adaptado pela própria Emma Thompson.



Hamlet, de Kenneth Branagh - Num filme de quatro horas, e com um elenco que reúne Branagah, Derek Jacobi, Julie Christie, Jack Lemmon, Charlton Heston, John Gieguld, John Mills, Timothy Spall, Rosemary Harris em grandes e pequenos papéis, é de Winslet a cena mais forte e intensa. Sua Ofélia destrói qualquer possível lembrança de Jean Simmons no mesmo papel na versão de Laurence Olivier, especialmente no momento em que, já louca e internada, sai vagando pelo quarto, cantando. Uma atriz cinematográfica que sabe ser teatral quando é preciso, sem temer o excesso.



Titanic, de James Cameron - Personagem sem grandes desafios, a não ser segurar o público pela mão numa roleta russa de quatro horas. A eficiência desse mecanismo ("James Cameron deveria ter ganho o Oscar de Engenharia Naval", disse Arnaldo Jabor, sem perceber o acerto de sua pretensa ofensa) depende sobretudo das duas primeiras horas, em que o carisma de Winslet prepara o público para sofrer por ela quando o navio começa a afundar e o filme a mostrar sua extrema eficiência como thriller - pois o diretor é Cameron e esse filme nada mais que é um Exterminador do Futuro de adrenalina, para seu próprio bem, aliás. Winslet não seguiu esse caminho, mas seria uma excelente leading lady na melhor tradição do cinema clássico, uma perfeita Olivia deHavilland para o Errol Flynn de Leonardo DiCaprio.



Fogo Sagrado, de Jane Campion - Naquele que é seu melhor trabalho até hoje, Winslet interpreta uma garota puerilmente encantada com a Índia. A família chama um especialista para curá-la da nova religião, pela qual a garota está obcecada. Os dois ficam sozinhos numa casa isolada para o processo de cura, e, como não podia deixar de ser num filme de Jane Campion, a mulher vira o jogo e mostra a sua força, subjugando seu oponente sexualmente. Por mais que, ao abrir mão da poesia e da sutileza que usou em O Piano, sua política sexual revele-se antiquada, Campion extrai de Winslet uma atuação completamente dedicada e entregue, seja nas batalhas verbais ou nas cenas de sexo com o já sexagenário Harvey Keitel. Numa sequencia para não ser esquecida, despe-se de qualquer vaidade e anda em nu frontal em direção à câmera, enquanto a urina desce entre suas pernas. A transgressão não é motivada pela ostentação da rebeldia, mas pela absoluta necessidade da personagem. Grande interpretação, mesmo que num filme irregular.



Pecados Íntimos, de Todd Field - Em outro filme que sofre com um flagrante conservadorismo ao final de sua projeção, Winslet eleva o resultado final com sua dona-de-casa insatisfeita e infeliz. O personagem seria um clichê ambulante se a atriz não abordasse essa frustração sobretudo em sua dimensão sexual, sugerindo tesão e vontade de sexo a cada cena, e, melhor ainda, sem transformar isso em caricatura ou comicidade.

domingo, janeiro 25, 2009

Notas sobre o Oscar

O que comentar das indicações ao Oscar 2009, ainda mais com tanto atraso e remotas possibilidades de ver filmes concorrentes nas principais categorias antes da cerimônia? Aqui em Angola só está em cartaz o longa com mais indicações, O Curioso Caso de Benjamin Button, mas é uma mão-de-obra sem fim ver um filme aqui no cinema, já que o Multiplex fica do outro lado da cidade (bem longe), a cidade não tem transporte público, e eu não sei dirigir.

Torço para achar algum torrent em boa qualidade, e demorar quase uma semana para baixar um filme sequer, devido à baixa velocidade da conexão por estas bandas. De fato, já consegui baixar e ver The Visitor, que conseguiu uma indicação de melhor ator para Richard Jenkins (o pai morto da série A Sete Palmos).



O filme não tem nada de especial, e é mais um exemplar sem brilho da praga que assola o cinema independente americano depois do sucesso de Beleza Americana: longas sensíveis sobre americanos-médios com crise de meia idade. Todo ano tem um filme assim, ou pelo uma produção com um personagem de destaque nesta condição, de Sideways a A Família Savage, passando por Encontros e Desencontros, Provocação e Conte Comigo.

Enfim, uma seleção de qualidade variável, e The Visitor é representante dos níveis mais baixos. Não é vil, apenas dolorosamente medíocre, acreditando que conflitos podem ser criados com a cara estática de um ator sem pathos e algum silêncio. Não podem, ainda mais quando o roteiro insiste em clichês ridículos, como associar a evolução pessoal à prática de tocar tamborim - defintivamente a metáfora mais ridícula desde que Dustin Hoffman aprendia a ser um bom pai dominando as técnicas de preparo de uma boa rabanada, em Kramer vs Kramer.

Se os atores costumam dar algum brilho a esse tipo de filme, Jenkins decepciona. Ele não tem a dinâmica verve autodepreciatória de Kevin Spacey (que empurrava Beleza Americana ladeira acima absolutamente sozinho, diga-se de passagem) ou a nulidade assustadora de Bill Murray em Flores Partidas, por exemplo. É só um ator batendo ponto em território já coberto por colegas de profissão.

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Ainda sobre o Oscar, não sei por que há tanta comoção em torno da esnobada levada pelo Batman. O prêmio não é padrão de qualidade, mas, neste caso, ele tem razão. O filme não é isso tudo. Pode-se não ser tão radical quanto Inácio Araújo, para quem adultos de verdade não se impressionariam com essa aventura de super-herói, mas se um blockbuster merecia a vaga na lista final, este seria o ousado, arrojado e brilhante desenho da Pixar, Wall-E.

Se um filme de super-herói já mereceu essa indicação, foi Homem-Aranha 2, dirigido por Sam Raimi, um cineasta muito superior a Chris Nolan, que não aprendeu que profundidade não se constrói só com uma paleta de azul e cenas noturnas. O texto precisa ser bom também, e não uma patacoada sobre as "complexidades do bem e do mal", facilmente descontruídas por qualquer cena de Onde os Fracos Não Têm Vez.



Indicação a direção? O filme é bem-feito, mas a Academia jamais poderia honrar as calças nomeando esse fedelho depois de ter ignorado o Michael Mann de Colateral, Fogo Contra Fogo e Miami Vice, de onde Nolan roubou as ideias de encenação e visual - com bem menos coragem, aliás.

No mais, a expectativa para esse Oscar é torcer pela vitória de Kate Winslet, mesmo que O Leitor não preste (O diretor é Stephen Daldry, do muito bom Billy Elliott e do terrível As Horas). Ela tem muito crédito na casa, e já merecia todos os prêmios do mundo desde que apareceu no cinema, como uma das garotas assassinas e apaixonadas de Almas Gêmeas, de Peter Jackson.

quarta-feira, janeiro 21, 2009

Melos into drama

O primeiro filme que vi do outro lado do oceano nada tem a ver com a África, com viagens, estrangeiros, jornalismo, nada disso. Decidi por uma primeira sessão absolutamente impessoal, mas os gênios insistem em nos contrariar: graças ao poder do alemão Max Ophuls, os sofrimentos de Werther, por uma hora e meia e muito mais, também são nossos.


O filme é do fim dos anos 30, feito na França, mas a paixão desmedida expressa em travellings lancinantes reforçam mais uma vez a ideia de que Ophuls nasceu no século errado, e que, se o cinema já existisse na época do romantismo, ele filmaria da mesma maneira. Werther pode não ser sua obra-prima (Carta de Uma Desconhecida, Desejos Proibidos), mas tem algumas de suas cenas mais fortes.

A melhor é a da câmera correndo pela casa como se fosse mais um dos serviçais preocupados com o sofrimento de Charlotte, enquanto ela se debate ao ouvir os sinos da igreja, que tocam a música a ela dedicada por Werther. Quando o marido chega em casa, ela é obrigada a se recompor e desfazer a comoção, em primeiro plano. São segundos dos mais sublimes já filmados.

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Claudio Leal diz nos comentários do post sobre A Troca que não gosto de melodramas, a não ser os mais antigos. Este desafio é, como diria Mario Puzo, uma proposta que não posso recusar. A seguir, e sem pensar muito, dez melodramas modernos, de 1990 até agora. Obviamente o período não é muito fértil, mas isso vale para todo o cinema de gênero.


Ainda assim, a qualidade desses filmes é inquestionável: o arrebatamento bíblico de Lars von Trier, a economia narrativa de Clint Eastwood e o deslumbramento visual de Wong Kar-wai serão reconhecidos em cem anos como pontos altos da arte cinematográfica. Brokeback Mountain não é muito diferente em narrativa e qualidade de As Pontes de Madison, e poderia ter sido dirigido pelo próprio Clint Eastwood.




A Época da Inocência, luxuosa homenagem de Scorsese a Visconti via Edith Wharton, se afirma cada vez mais, junto com New York, New York, como o fime mais subestimado da carreira do diretor. O sirkiano Longe do Paraíso, por sua vez, foi aclamado, mas os mesmos Oscars que legitimaram Menina de Ouro acabaram jogando contra a fama de O Paciente Inglês, obra com a marca de um David Lean: infinita delicadeza num cenário de dimensão épica. Vestígios do Dia, provavelmente o melhor Ivory, retoma o mesmo Lean menos famoso da obra-prima Desencanto, sobre um amor abotoado e britanicamente proibido.

1) Ondas do Destino, de Lars von Trier
2) As Pontes de Madison, de Clint Eastwood
3) Amor à Flor da Pele, de Wong Kar-wai
4) Dançando no Escuro, de Lars von Trier
5) O Segredo de Brokeback Mountain, de Ang Lee


6) A Época da Inocência, de Martin Scorsese
7) Longe do Paraíso, de Todd Haynes
8) Menina de Ouro, de Clint Eastwood
9) O Paciente Inglês, de Anthony Minghella
10) Vestígios do Dia, de James Ivory

segunda-feira, janeiro 19, 2009

Dos litorais desse Oceano Atlântico

Para quem ainda não sabe, desde o dia 14 estou vivendo em Luanda, Angola. Vai ser difícil manter atualizações sobre filmes recentes, mas trouxe um bom número de divx não vistos e uns 10 livros, e eles devem ajudar a rechear esse blog nos próximos 3 meses (terei 15 no Brasil a cada trimestre). Começo a fazer isso o mais rápido possível.

Também devo abrir um blog gêmeo exclusivamente para falar um pouco sobre a vida aqui. Assim que fizer isso, deixo o endereço. Abraço.

sábado, janeiro 10, 2009

A Troca

É preciso ter boa dose de paciência para encarar o novo e terrível filme de Clint Eastwood, A Troca. Mais impressões aqui.

quinta-feira, janeiro 08, 2009

Quando Fala o Coração

A simpática Cristina Padiglione fala mil maravilhas de Maysa - Quando Fala o Coração. Claro que duvidei, afinal Jayme Monjardim ainda é Jayme Monjardim e somente Pantanal parece dizer algo positivo sobre ele. Pois bem, vi cinco minutos dessa minissérie hoje.

Maysa: "Eu sou uma mulher contestadora e transgressora. Não nasci para respeitar regras". O tom é solene, igualzinho a Olga, e se eu não tivesse mudado de canal, a próxima fala seria "estou grávida de Luís Carlos Prestes", tenho certeza. Lição número para diretores de tv: a não ser que você tenha algo realmente muito forte para rodar, não adianta bancar o grave porque a fala ridícula não vai virar arte sem nenhum motivo, ainda mais em close-up. É melhor deixar o ator relaxar e falar a merda dele em paz, sem pretensões.

Enfim, pelo menos a melhor amiga de Maysa é interpretada pela maravilhosa Priscilla Rozenbaum, um primor de naturalidade até com esse texto horrendo do outrora talentoso Manoel Carlos. Ou talvez não; que pena para Priscilla. É muito melhor para ela estrelar os filmes do marido, Domingos de Oliveira, e entregar perfomances inesquecíveis, como a do arrojadíssimo Carreiras.

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Quando Fala o Coração também é o título de uma jóia escondida de Hitchcock. O filme é somente conhecido pela trilha monumental de Miklos Rosza e pela seqüência de sonho assinada por Salvador Dalí, mas merece crédito pelo senhor beijo de Ingrid Bergman e Gregory Peck, um dos melhores de todos os tempos porque dirigido como cena de suspense. Há toda uma tensão na cena, como se ambos fossem cometer um crime, e, no fim das contas, mal vemos o beijo. Um segundo depois, o suspense de verdade volta. Brilhante. Tá aqui, ó:



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Revi Hiroshima, Meu Amor na Walter no sábado. A idade só faz bem aos filmes, e a nós também. Rever esse filme com olhos cinco anos mais velhos é uma senhora experiência. O filme costuma encantar de primeira com sua inédita estrutura de quebra-cabeça, mas, caramba, como as palavras escritas por Marguerite Duras são fortes, em suas contradições. "Gosto de você. Você me faz mal". Brutal, e a mostra Resnais fica mais uma semana em cartaz na Walter. Imperdível, tudo em 35mm. Aperitivo. Primeira cena de Hiroshima, legendada em espanhol:

sexta-feira, janeiro 02, 2009

Saymon Awards

Os melhores do ano:



10 - Fim dos Tempos, de M. Night Shyamalan

Shyamalan dá seu habitual show de imagem, e desta vez não tenta descer goela abaixo do espectador nenhuma mensagem tola ou sua visão de mundo algo ingênua. Mais do que um grande filme, um filme de grandes cenas.

9 - Falsa Loura, de Carlos Reichenbach

A vitória do brega, sem medo de ser feliz, com referências que vão de Paul Verhoeven a Valerio Zurlini. Nada é vulgar nesse filme aparentemente simples. Sua protagonista, Rosane Mulholland, é um arraso.

8 - Wall-E, de Andrew Stanton

A Pixar continua sendo a fonte mais segura de qualidade cinematográfica no cinema atual. Wall-e é um salto sem rede com direito a 40 minutos sem diálogos, momento de pura confiança no poder de comunicação da imagem.

7 - Em Paris, de Christophe Honoré

Um filme sobre estar com o coração cheio, seja por um amor destruído ou uma paixão arrebatadora. Honoré refunda a nouvelle vague com a cena do ano, um diálogo cantado ao telefone.

6 - 4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias, de Christian Mungiu

Muito mais do que filme-denúncia, um aterrorizante ensaio de suspense do novo cinema romeno. Preparativos, execução e conseqüências imediatas de um aborto são encenados em tempo real, com longos planos fixos que fazem o espectador torcer para aquela situação acabar logo. Muito desagradável e indispensável.

5 - Paranoid Park, de Gus Van Sant

Van sant sabe filmar gente jovem, e dessa vez o faz de maneira subjetiva, de dentro da cabeça do protagonista. O tempo segue a ordem dessa mente desajustada, e a música sobre quando o diálogo não é importante. Belo fecho para a radical tetralogia de filmes pequenos do cineasta, iniciada com Gerry, uma das obras-primas da década.

4 - Canções de Amor, de Christophe Honoré

O turbilhão de sentimentos que é caro a Honoré ganha tradução em um musical pan-sexual e libertário, cheio de belas canções fáceis sobre amores que vêm e vão. Leve e cheio de energia.

3 - Sangue Negro, de Paul Thomas Anderson

P.T. Anderson pode ter se livrado dos filmes-tapeçaria, mas ainda deve muito a Robert Altman. Seu protagonista empreendedor não deixa de ser um contraponto ao Warren Beatty de McCabe & Mrs. Miller. Enfim, a América, nas mãos de um menino-prodígio animal de cinema, que não está disposto a decepcionar.

2 - A Questão Humana, de Nicolas Klotz

A melhor atuação do ano é de Mathieu Amalric nesta gélida obra sobre o mundo corporativo contemporâneo. Klotz deixa pontas soltas e respeita a complexidade do universo que aborda, sem causa-e-efeito ou conclusões tolas para o enlouquecimento de seu protagonista, um profissional de recursos humanos que descobre coisas não muito agradáveis sobre a empresa que trabalha. O final é um primor de economia narrativa - A Lista de Schindler inteiro não consegue mostrar o nazismo de maneira tão horrorsa como a tela preta que encerra este longa magistral.

1 - Onde os Fracos Não Têm Vez, de Ethan Coen e Joel Coen

O melhor vencedor do Oscar de filme desde Amadeus, ou, quem sabe, O Franco Atirador, é a obra mais bem escrita e dirigida que se vê em anos. Há tensão em cada frame, nenhum fotograma é perdido, e o coração para até mesmo quando uma folha de papel se desamassa em cima de uma mesa. Esse tratamento infernal e sem sossego faz um belo comentário sobre a implosão da América Central ao deixar solto um Anticristo no meio do Texas. Obra-prima do apocalipse.

Cinco atores, na ordem:

Mathieu Amalric, A Questão Humana
Daniel Day-Lewis, Sangue Negro
Stepan Nercessian, Chega de Saudade
Philip Seymour Hoffman, Antes Que o Diabo Saiba Que Você Está Morto
Tommy Lee Jones, Onde Os Fracos Não Têm Vez

Cinco atrizes, na ordem:

Belén Rueda, O Orfanato
Julianne Moore, Pecados Inocentes
Rosane Mulholland, Falsa Loura
Rachel Weisz, Um Beijo Roubado
Ludivine Sagnier, Uma Garota Dividida em Dois