terça-feira, abril 28, 2009

Filmes das férias

Não levava muita fé em Entre os Muros da Escola, vencedor da Palma de Ouro do ano passado. O presidente do júri era o chatola de esquerda Sean Penn e o filme escolhido veio rotulado com a pecha de olhar-multicultural-contemporâneo, quase sempre uma desculpa patronal para o politicamente correto. De boas intenções o inferno está cheio, sabemos. Além disso, só conhecia do diretor Laurent Cantet seu Em Direção ao Sul, que definitivamente não me impressionou.



Bom, nada melhor que estar errado. Entre Les Murs é praticamente a realidade na cara da gente, cheia de complexidades, nuances, detalhes mínimos. Ser "real" e bom não é melhor que ser "artificial" e bom, mas é muito mais raro: tentar fazer do cinema espelho da vida por reprodução e semelhança é tarefa árdua, hercúlea, impossível.

Para ter sucesso na empreitada, Cantet se restringe a um único ambiente, a sala de aula, e aposta todas as fichas no diálogo entre seus não-atores, que interpretam a si mesmos. A realidade vem 100% através das palavras, e a ficção "baseada em fatos reais" vira documentário. Não, não vira, mas o artifício é muito bem logrado. O que me leva a pensar que cinema é sempre e somente artifício - transparente ou não. Enfim, o filme é nota 10. Melhor do ano?

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Há de se ter um pouco de paciência com Sempre Bela, a "sequência" (bote aspas aí) de A Bela da Tarde, de Luis Buñuel, assinada pelo centenário cineasta português Manoel de Oliveira. Não é difícil se irritar com as longas conversas de Michel Piccoli com o bartender sobre os eventos ocorridos há 40 anos no filme anterior, uma obra que, aliás, parece ser à prova de qualquer tempo.



Os diálogos especulam e criam certezas sobre o que Buñuel insinua ou mesmo não faz questão nenhuma de entender, e boa parte das palavras desse Sempre Bela são dedicadas a traçar o perfil psicológico de uma mulher que estava além desse tipo de coisa. Coisa tão inútil quando defender um paper sobre o filme num simpósio sobre perversões sexuais.

Deneuve não voltou, ainda bem, e é substituída por Bulle Ogier sem seu brilho etéreo e glacial. No final da curta projeção, o filme interrompe as elucubrações e acaba bruscamente. Parece que Oliveira não estava interessado em revelar nada sobre a obra original - mas por que, então, tanta conversa jogada fora sobre a personalidade e as motivações de Séverine? Eu não consigo admirar ver Oliveira filmar tinta secando, mas não posso negar que, de alguma maneira, esse aparenmte equívoco tem seu encanto.

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Quem lê esse blog regularmente sabe de duas coisas: a) detestei A Troca e b) sou um admirador do cinema de Clint Eastwood. Ao ver Gran Torino, sou lembrado de outra verdade. Clint jamais erra duas vezes seguidas e o filme novo tem tudo o que faltava ao anterior. Mais precisamente, aquele senso perfeito de tempo e narração que caracteriza a obra do diretor, uma escrita seca e límpida que eleva clichês a um patamar superior, muitas vezes trágico.



Gran Torino é, então, da mesma estirpe de Menina de Ouro e As Pontes de Madison, filmes cujo mérito é sobretudo do trabalho de direção de Eastwood, um (bom) Hemingway das câmeras e das moviolas, que pega esse aparente história de amizade e transformação e vira de cabeça para baixo, tirando dali a velha preocupação com as máculas deixadas pelo convívio com a violência caracaterísticas a seus personagens.

O poder arrasador de Gran Torino não está em sua história ou moral, mas apenas na sua manifestação cinematográfica, num terror quase técnico. Os abismos estão no indizível e intransmutável em palavras, em cenas e sequências que são encadeadas de modo a sugerir que o filme segue rumo a algo que não pode ser bom, sem que essa sensação venha do texto ou do diálogos. Quando está em seus grandes dias, Clint consegue conferir uma gravidade verdadeira, terrível e inigualável a tudo que filma, e isso é um elogio.

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Já o elogio que sobra para O Casamento de Rachel não é grave, mas "bonzinho". De novo as boas intenções: o filme tem coração aberto e vontade de ser humano, mas o material aqui simplesmente tem voltagem zero, inferior até mesmo a algumas novelas. Irmãs brigam, gritam, se abraçam, e o final tenta nos convencer de que essa coisa com câmera na mão chega de alguma maneira perto de John Cassavetes, mas só com muito boa vontade para embarcar na comparação. Anne Hathaway é muito boa, mas mantenho meu Oscar pessoal para a Meryl Streep de Dúvida.

sexta-feira, abril 24, 2009

Bar Sur

Estava achando Buenos Aires muito pouco romântica, mas no meio de um show de tango na Milonga Ideal, num lindo salão de inspiração francesa iluminado só com o básico, entra uma bailarina de traços orientais, de kimono, e se mostra tão intensa quanto as outras colegas argentinas. Caiu a ficha. A última coisa muito romântica vinda daquelas bandas foi dirigida por um chinês, Wong Kar-Wai, e se chama Felizes Juntos.

Na noite seguinte, fui ao Bar Sur, onde WKW rodou sua obra-prima, mas não levei a câmera. O lugar virou um ponto de shows de tango para turistas, meio armado, mas o cenário apertado de prédio antigo-decadente com aquele chão xadrez, somado à excelência da música e bailarinos mantêm o interesse para além das memórias do filmão de 90 e poucos. Fica na Estados Unidos, uma ruazinha de pedra em San Telmo:

Bar Sur

Mas em quatro dias de Buenos Aires, percebi que, se os filmes argentinos contemporâneos passam praticamente ao largo da tradição de passionalidade pela qual o país é famosa, eles o fazem porque estão em sintonia com a vida das pessoas hoje lá. Os porteños que conheci me pareceram bem mais próximos de personagens de Juan José Campanella do que dos protagonistas das letras de tango, uma gente boa meio inconsciente do conjunto maravilhoso de prédios do século 19 que predomina na cidade - ou talvez, uma gente tão integrada a esse cenário que não se destaca dele.

Estão todos vivendo na corda bamba, tentanto levar a vida em meio a sucessivas crises, e ainda com certo estilo. Antes da paixão, o cotidiano - mas talvez essa conclusão seja realmente óbvia. Enfim, voltei de lá gostando mais ainda de filmes como Abraço Partido e Leis de Família, de Daniel Burman, Clube da Lua e O Filho da Noiva, de Campanella, e Família Rodante, de Pablo Trapero. São filmes que sabem o que está acontecendo.

sexta-feira, abril 10, 2009

Enfim, Julia Roberts

Tirando os filmes da série Danny Ocean, Julia Roberts estava há algum bom tempo longe das telas em seu modo superstar. Como senti falta! Ninguém tinha tanto carisma quanto ela no final dos anos 90. O Casamento do Meu Melhor Amigo e Um Lugar Chamado Notting Hill têm cadeira cativa no meu panteão de filmes maravilhosamente descartáveis. Junte-se a essa lista o "drama" Erin Brockovich - cuja única razão de existir é a explosão de stardom de La Roberts - e temos a maior sequência de magnetismo hollywoodiano desde o final do sistemas de estúdios.

Pois bem, foi uma longa década sem Julia, mas agora ela está de volta com Duplicity (Dupla Sedução aqui em Angola, Duplicidade no Brasil), e caramba, ela continua com todos os poderes em máxima voltagem. Julia ainda sabe apertar a boca enorme na hora certa com cara de séria, seduzir com o olhar sem nunca chegar perto da vulgaridade e projetar aqui e ali uma melancolia cheia de charme. Isso sem falar naquela gargalhada contagiante em breathtaking cinemascope & stereophonic sound. É como o amigo Vitor Pamplona diz: "Julia Roberts não é bonita, mas se comporta como se fosse". Tá feita a mágica.



Pena que o filme não se entregue completamente à tarefa de ser um veículo para a atriz nem desista de vez de ser puro cinemão. O diretor Tony Gilroy é o roteirista da excelente série Jason Bourne. Seu primeiro filme na direção, Conduta de Risco, é um show de sobriedade e clima, e descontrói um astro do porte de George Clooney com muita segurança.

Em Duplicity, os pontos altos vêm justamente quando Gilroy relaxa e deixa Julia Roberts ser Julia Roberts ao lado de seu interesse romântico, o mesmo Clive Owen de Closer. Muito boas as cenas de romance em Dubai, Roma, Londres e até mesmo Cleveland... Quando o filme entra na trama de conspiração de megacorporações, há uma tensão mal resolvida entre o thriller e sátira, sem aquela desenvoltura embasbacante de Soderbergh na série Ocean. Gilroy não chega perto, e parece apenas dirigir com um pouco de prisão de ventre, sem arrebatar a plateia por suas qualidades de produtão ou pelas suas impressoes digitais de autoria. Isso talvez explique o fracasso de bilheteria nos Estados Unidos. Veredicto: o filme é ok para bom. Julia Roberts é dez.

sexta-feira, abril 03, 2009

Filmes do exílio #6

Sempre que é preciso um pouco de humanidade e conforto na vida, pode-se apelar para John Cassavetes. Não porque ele tenha feito filmes fáceis ou de autoajuda, mas porque construiu uma obra cheia de grandes pérolas sobre gente, em seus altos e baixos, na alegria e na tristeza. Nenhum diretor foi tão generoso quanto Cassavetes, e o resultado só pode ser um: acaba o filme e não nos sentimos mais sozinhos.



Moskowitz & Minnie

As obras dele são tão fortes que se alojam na mente como se fossem pessoas queridas, e não longas em celuloide - ideia brilhantemente defendida por Inácio Araújo numa dessas tripinhas que escreve na Folha ao falar sobre o lindo último filme do mestre, que retornava a cartaz na tv a cabo: "Por onde andava Amantes?". Inácio reclamava a presença do filme-amigo, claro.

Semana passada vi pela primeira vez Minnie & Moskowitz, uma coisa linda e arrasadora e real sobre como as pessoas devem mesmo é ficar junto de quem amam, mesmo que isso não seja fácil.

>>> O Cangaceiro, de Lima Barreto, é um bom filme, talvez apenas prejudicado pelo incensamento promovido por Moniz Vianna, que o considerava o maior longa brasileiro da história, em detrimento da obra radical de Glauber nos anos 60. O filme de Barreto é certinho, muito bem feito, e dribla qualquer lembrança daquele remake com Paulo Gorgulho e Luiza Tomé... O filme tem azeite, tempo, métrica, é um mérito técnico, nota dez de escola de samba. Isso não faz uma obra-prima.

>>> Nos fórums do IMDB um cara abriu um tópico na página de Nouvelle Vague, de Godard: "Alguém me explica esse filme?". Young American... É Godard, cara, não é pra entender, e sim para admirar o efeito. Parece papo de "arte conceitual", mas a graça de Godard é se perder nesse labirinto discursivo com cara de ficção, mas que, no fundo - já disseram alguns críticos - são documentários sobre o estado de alma do diretor. Godard é um dos poucos cineastas que conseguem transformar um brainstorm sobre tudo em algo interessante, mesmo que desconexo. Ele teria o melhor twitter de todos os tempos.



Delon, e o braço torcido de Godard

O engraçado de Nouvelle Vague é a presença de Alain Delon. Acho que foi Gabi que escreveu isso, mas ele era bonito demais para a nouvelle vague, o movimento. No filme de 1990, foi Godard que teve de dar o braço a torcer, já que Delon, mesmo 30 anos depois, não perdeu a presença e o poder de sedução que mascaravam o fato de que ele era excelente ator. O filme é uma chatice divertida.