terça-feira, julho 27, 2010

O Sinal

Engraçado quando um filme parece ter uma fraqueza tão evidente que esta debilidade acaba por converter-se em mérito... Sempre quis ver o argentino La Señal, desde que foi lançado fora mas teve a distribuição brasileira abortada pela Buena Vista. O filme foi dirigido pelo mega-astro Ricardo Darín em parceria com Martín Hodara depois da morte do autor do roteiro e do livro em que o guião se baseia, Eduardo Mignogna, que acumularia a cadeira de realizador não fosse o câncer que o levou com apenas 46 anos.

Pois bem, La Señal "sofre" justamente deste problema de fraqueza evidente, falsa ou não. Depois de uma meia hora extremamente firme dentro do cotidiano de dois detetives particulares numa Buenos Aires de 1952 moldada para o noir, o filme substitui as discretas e pungentes inquietações existenciais apresentadas até então nas entrelinhas pelo trilho do filme de gênero: uma mulher fatal entra em cena, afirmando correr perigo. O marido é um perigoso gângster escandinavo com uma fortuna arrecadada em negócios pra lá de sujos.



Mortes, tiros e noites azuis de quase preto-e-branco. Darín e a mulher fatal dão um beijo lancinante dentro de uma sala de cinema, numa sessão do que me pareceu ser o clássico Laura, de Otto Preminger. Sobe uma música feita para enredar e até então discreta, já que o filme tem um passo vagaroso, calculado, como se temesse o futuro imediato. Darín, surpreendentemente, ignora a cautela e se atira de cabeça, rumo a um final altamente telegrafável e sem surpresas.

Será mesmo? Será que essa previsibilidade não apenas reforça a natureza irreversível do que há de mal nas pessoas, "no que caga a vida"? Não seria a paixão uma alternativa de suicídio consciente? Sam Spade manda a femme fatale pra câmara de gás. Darín, marcado em cada ruga por tudo o que viu, deixa-se cair enquanto a vida lhe escorre, silenciosa e calma, tranquila e sem estancamento.

Enquanto paira o enigma, sobem os créditos com Sinatra cantando Cole Porter, a mesma What's this Thing Called Love? que Woody Allen usou pra fechar sua obra-prima, Maridos e Esposas. Fecho perfeito também pro filme argentino, e sua quieta elegância e completa frontalidade na lida com gêneros clássicos do cinema, essa coisa que assusta tanto os cineastas brasileiros. Que andamento, que domínio narrativo, que respiração das imagens! Dá uma bela sessão dupla com Aura, o noir moderno de Fabían Bielinsky à Irmãos Coen, também estrelado por Darín.

segunda-feira, julho 12, 2010

O Importante é Amar

No final de Tudo Sobre Minha Mãe, os primeiros títulos dos créditos finais são uma dedicatória do diretor Pedro Almodóvar a três atrizes que o impressionaram em sua juventude: Bette Davis, Gena Rowlands e Romy Schneider. O que as une são atuações de primeira grandeza em papéis de atrizes imaginárias em A Malvada, de 1950, Noite de Estreia, de 77, e O Importante é Amar, de 75, respectivamente.

Qualquer cinéfilo iniciante conhece a criação estudada e venenosa de Bette Davis. Um mais iniciado, devido ao culto cada vez mais ensurdecedor e merecido a John Cassavetes, com certeza já deu de cara com a atormentada estrela de Gena Rowlands. O filme do polonês Andrzej Zulawski, no entanto, permanece dolorosamente pouco visto, celebrado. É o mais radical dos três, e talvez por isso, o menos redondo. Indispensável, mesmo assim.



Assim como Rowlands, Schneider entrega uma das interpretações mais intensas e à flor da pele da história, tirada da carne, numa instabilidade de corpo inteiro. Sua atriz pornô com aspirações dramáticas não fica um minuto parada na tela, a não ser em breve closes: é como se os 24 quadros por segundo não dessem conta de registrar a sua imagem, sempre em ebulição, fervendo. Um dínamo.

Seu corpo nu é o passo não-dado por outras atrizes-vulcão dos anos 50 e 60, especialmente americanas: pense em Susan Kohner em Imitação da Vida, Natalie Wood em Esta Mulher é Proibida, Jane Fonda em A Noite dos Desesperados, e Dorothy Dandridge em Carmen Jones. Schneider vibra até na ponta dos dedos, e não usa a sexualidade escondida como motor de suas tormentas. O sexo é aparente, e é mais um canal de entrada das diversas violências que a martirizam. Ao mesmo tempo, é por onde extravasa o fluxo de amor e carinho que insiste em sobreviver em sua alma doente.

Schneider venceu o primeiro César de melhor atriz da história do cinema francês. Me parecia um enigma que alguém na face da Terra pudesse ter superado a Isabelle Adjani de A História de Adele H., de Trufô. Superou, mas Adjani correu atrás: anos depois, trabalhou com o mesmo Zulawski e alcançou outro de seus pontos altos na carreira, febril, com as veias saltando na garganta em Possessão. Venceu o César que havia perdido, além do prêmio de melhor atriz em Cannes.

Em tempo: por mais difícil que seja tirar os olhos de Schneider nesse filme, Klaus Kinski faz uma marcante participação coadjuvante com um ator gay porra-louca. Notável.

quarta-feira, junho 23, 2010

Oi, tô vivo...

...E, como é previsível, continuo na maré baixa de filmes. Houve uma época em que afundei de vez na minha cinefilia e vi tanta coisa que cheguei a recusar uma festa de réveillon apenas para atingir o filme número 365 no ano e fazer média de um filme por dia de verdade, como o título do livro com as críticas de Moniz Vianna.

Tem gente que vê muito mais que isso, aliás, e se isso é muito bom, também pode não significar muita coisa. Hoje percebo que não vi de verdade muitos filmes dessa fase de turbilhão, e que a gente precisa de um pouco de calma para exercitar nossa observação - pelo menos eu, especificamente.

De qualquer jeito, meu deserto cinéfilo atual não é voluntário, por uma vontade de mastigar, digerir e ruminar os filmes com calma (se não puder haver meio-termo, prefiro o ritmo vertiginoso, de longe). Simplesmente estou numa fase em que o cinema não está conseguindo abrir espaço para entrar. Na verdade, ele está comigo o tempo todo, mas não tenho tempo para renovar os votos do nosso casamento, com o ritual básico e necessário de ver novos filmes, fundamental.

Enfim, desde a última atualização vi quatro filmes:

A Dama do Cachorrinho, de Iosif Kheifits, feito em 1960 em comemoração do centenário de Chekhov. É anacrônico, e talvez por isso até um pouco fascinante em suas engrenagens a ranger, mas em termos de clima e potência, sua flacidez acaba conduzindo a mente ao Um Rosto na Noite, de Visconti, quase da mesma época. O filme de Kheifits é um melodrama que não se entrega, apenas finge, e isso não é o represamento de emoções posto em prática pelos mestres do gênero. É só um não-saber-o-que-fazer. De interesse, ainda assim.

Brigitte e Brigitte, de Luc Moullet. Menor ideia. Passo (Mas é legal!).

Este Mundo é um Hospício, de Frank Capra. O filme é uma metralhadora, mas não sei se Capra é o diretor para isso. Eu apostaria no mesmo Hawks de O Inventor da Mocidade, ou duas décadas mais tarde, em Jerry Lewis. Por mais bem orquestrada que seja a montanha russa de humor proposta aqui, ela não deixa de ter uma certa rigidez, uma sensação de excessivo controle sobre o que deve ser/parecer imediatamente espontâneo. É um trabalho profissional, mas não é "natural", como algo que um Hawks faria, ou mesmo diretores de precisão, como Lewis e Tati. Não sei explicar direito, mas a coreografia do riso é mais uma marcação de teatro do que movimento de cinema. Cary Grant, no entanto, é qualquer coisa de sublime.



Os Primos, de Claude Chabrol: Todo mundo faz uma relação deste filme com a suposta primeira parte de um díptico, Nas Garras do Vício, devido à repetição dos atores e personalidades dos personagens (o correto versus o autodestrutivo). Não sei não: se Nas Garras do Vício traz uma evidente influência do neo-realismo em um diretor dado ao controle mas ainda tateando por seu cinema, Os Primos já parece uma versão acabada do Chabrol cineasta como conhecemos. Ele é frio, elegante, afiado, numa história em que qualquer redução moral é descartada e o que importa é uma sensação de desequilíbrio, do perigo do acaso, e de seus acidentes como motores da vida. É um grande filme sobre a instabilidade da existência, e no final faltam chão e fôlego. É suspense puro o nome disso.

Fora isso, o filme que ainda não saiu da minha cabeça esse ano é novo, Um Homem Sério, dos irmãos Coen, que finalmente entrou em cartaz em Salvador. Ainda volto a ele, até porque o vi num momento de completa sincronia com a minha vida e muito do que tenho pensado e refletido nos momentos de solidão que só o exílio proporciona se sintoniza com coisas que vi nesse filme.

Sei lá, Um Homem Sério me fez me enxergar como adulto de verdade no que isso tem mais de doloroso: o acordar para o acaso da vida e sua finitude e a necessidade de se aceitar o absurdo para continuar vivendo, de preferência com alguém para amar. Vejam só, como reduzi essa maravilhosa a um slogan, mas vão assistir.

sábado, maio 08, 2010

Cinema volátil

Mais de um mês sem atualizar, quem curte? Tenho estado mais presente no twitter, mas a correria de volta do Brasil pra Angola, trabalho atrasado, etc, etc, me impediram de escrever aqui, não apenas por falta de tempo para reflexão, mas também por falta de material para refletir sobre. Praticamente não vi filmes no último mês, o último livro que li foi um guia de edição jornalística de um desses consultores de Navarra (Jornalismo, Botocudos. Botocudos, Jornalismo), medíocre. Pelo menos estou acompanhando a novela - já que não acontece nada, sempre estou em dia com ela.

Bom, o último filme que vi foi pelo menos valeu por um mês inteiro: Sem Amanhã, 39, é outro daqueles melodramas absolutamente sublimes do alemão Max Ophuls. O cenário é o mesmo: cabarets, as ruas de Paris, mundo cheio de atores e prostitutas, sempre à noite. Aqui, uma mulher tenta esconder do grande amor do passado que se tornou uma cortesã.

Sempre um mestre do efêmero, Ophuls faz seu filme mais volátil, evanescente, como se as imagens e as pessoas fossem feitas de nuvem. No fundo, é a perfeita tradução visual do sentimento que atravessa todos os seus filmes, a impossibilidade de se eternizar os amores, as relações entre as pessoas, coisas tão frágeis, vulneráveis.



Edwige Feuillère em Sem Amanhã

Não à toa, as imagens finais são de uma mulher a perder-se para sempre na bruma, do mesmo jeito que a protagonista de La Signora di Tutti tinha o rosto borrado pela câmara no último plano, um close, e que a última aparição de Joan Fontaine em Carta de Uma Desconhecida é como um fantasma-recordação para Louis Jordan. É um cinema em que mulheres usam véu, sobre amores se dissolvendo no ar e gente lutando contra isso mesmo que à custa da própria vida.

Esse poder de evocação de um clima alcançado por Ophuls, um homem que filma todas as imagens certas, provavelmente só encontra par em Mizoguchi, outro mestre desses épicos em corpo de mulher. Impressionante como o martírio feminino diante do tempo perpassa a obra dos dois diretores, e, diria, da mesma forma: quem vê um filme como esse Sem Amanhã tem de lutar para não lembrar de Oharu - A Vida de uma Cortesã, O Intendente Sansho, e mesmo Contos da Lua Vaga.

É tudo muito parecido, desde o gosto pelo movimento de câmera (Ophuls acrobático, Mizoguchi fluido e sóbrio) e por essa fotografia enevoada, até o núcleo duro de pensamento narrativo e temático, filmes clássicos de mulher dois tons acima da sobriedade, como se os personagens estivessem todos turbinados por duas doses de whisky, mais emocionais, mas com toda essa intensidade represada em corpos em combustão, na necessidade manter as aparências. Morrer do coração nesse ritmo é fácil, entende-se.

Os diretores parecem dopados também: dificilmente alguém em "modo normal" alongaria o close de um adeus na estação de trem do jeito que Ophuls faz nesse Sem Amanhã. Incrível, e quem viu Longe do Paraíso, de Todd Haynes, vê exatamente onde esse plano foi parar.

PS: inacreditável as mocinhas de peito de fora no início do filme. Era 1939!

sexta-feira, abril 02, 2010

Pílulas

O tempo é escasso, os filmes são muitos... Vamos de um parágrafo para cada um:

Ilha do Medo - Scorsese sempre funciona muito com o pé no acelerador, e o sinal de que ele está em seus dias mais endiabrados vem logo no início, com uma trilha que marreta o personagem de Leonardo DiCaprio. Se o suspense pode ser previsível, o percurso até a revelação final passa longe disso. Há sempre a expectativa de como cada cena vai ser finalizada, enquadrada, musicada. O filme mais insinuante de Scorsese em muito tempo, pulsante, delirante, barroco, especialmente num flashback maravilhoso roubado da trilogia alemã de Visconti. Suntuoso e demente.


DiCaprio, mais uma vez excelente

O Fantástico Sr. Raposo - Pode-se argumentar que Wes Anderson nunca gostou muito de gente e não se pode criticá-lo pela afetação permanente que assola seus filmes e personagens. Seu cinema de brinquedo e casa de bonecos pode até ter seu efeito, mas pra mim esse efeito continua sendo a ilustração de um climão melancólico e cool. Tem gente que se emociona com esses construtos, mas pra mim seu cinema é da maior esterilidade. Dito isso, ao menos esse desenho é bem divertido. Só não tem alcance.

Onde Vivem os Monstros - Não deixa de ser outra excentricidade indie, mas não dá pra negar que Spike Jonze tem sensibilidade e, principalmente, talento. Tirando a ex-mulher Sofia Coppola, ele é o cara que melhor filma nessa geração de meninos ricos, entediados e tristonhos de all-star surgida no fim dos anos 90. Ainda assim, o filme evapora - não com a irritação causada pelo coleguinha francês Michel Gondry, mas com a mesma irrelevância.

Indie onírico

Simplesmente Complicado - Apesar de a indústria ter reconhecido este ano a força de uma mulher diretora com o Oscar de direção entregue a Kathryn Bigelow, os nomes fortes de Hollywood do gênero ainda são Nora Ephron e essa Nancy Meyers... Complicado. O filme é de uma mediocridade assustadora, cheio de piadas sem graça e inofensivamente machistas (mulheres devem rir de clichês atribuídos a elas mesmas). Meryl Streep é ótima comediante, mas não sabe escolher filmes. A exemplo de Do Que as Mulheres Gostam, a melhor atuação é masculina, com Alec Baldwin defendendo de maneira sensacional o arquétipo do canalha sedutor e vulnerável que Mel Gibson já interpretou. Mas é só.

O Segredo de Seus Olhos - Esse argentino é uma puta oportunidade perdida. O cara tem um policial nitroglicerina pura, com aquela mistura de política e gênero que ninguém consegue fazer aqui no Brasil, mas sabota seu filme com toneladas de açúcar via historinha de amor mais desnecessária desde não sei quando. O roteiro do policial tem lances realmente brilhantes, material que renderia absurdamente na mão do coreano Bong Joon-ho, ou do David Fincher de Zodíaco, mas o câncer da pieguice não deixa. De qualquer jeito, o que é bom no filme é tão bom que a sensação de boa vontade permanece. Para um grande filme policial argentino recente, ver El Aura, do finado Fabien Bielinsky.

quarta-feira, março 10, 2010

100 filmes, 2000-2009

A lista a seguir foi feita a pedido de Chico Fireman, do Filmes do Chico, e reúne meus filmes favoritos produzidos entre 2000 e 2009. Vale aqui a data do IMDB, e, claro, é um registro de minhas preferências neste exato momento, com possibilidades constantes de mudança e feito mesmo com as sérias lacunas de repertório que tenho. Vamos lá:




Em Paris

100 - Fim dos Tempos, de M. Night Shyamalan, EUA
99 - Os Infiltrados, de Martin Scorsese, EUA
98 - Madame Satã, de Karim Aïnouz, Brasil
97 - Gran Torino, de Clint Eastwood, EUA
96 - Nove Rainhas, de Fabian Bielinsky, Argentina
95 - Em Paris, de Christophe Honoré, França
94 - Serras da Desordem, de Andrea Tonacci, Brasil
93 - Turning Gate, de Hong Sang-soo, Coreia do Sul
92 - Caché, de Michael Haneke, França
91 - O Senhor dos Anéis – O Retorno do Rei, Peter Jackson, Nova Zelândia



E Sua Mãe Também

90 - Maria Antonieta, de Sofia Coppola, EUA
89 - Separações, de Domingos de Oliveira, Brasil
88 - Elefante, de Gus Van Sant, EUA
87 - The Brown Bunny, de Vincent Gallo, EUA
86 - Sob a Areia, de François Ozon, França
85 - Crime Delicado, de Beto Brant, Brasil
84 - E Sua Mãe Também, de Alfonso Cuarón, México
83 - Ninguém Pode Saber, de Hirokazu Koree-eda, Japão
82 - Bastardos Inglórios, de Quentin Tarantino, EUA
81 - Cinemas, Aspirinas e Urubus, de Marcelo Gomes, Brasil



Amantes

80 - Conte Comigo, de Kenneth Lonergan, EUA
79 - O Filho, de Jean-Pierre Dardenne & Luc Dardenne, Bélgica
78 - As Leis de Família, de Daniel Burman, Argentina
77 - O Tigre e o Dragão, de Ang Lee, Taiwan
76 - Guerra dos Mundos, de Steven Spielberg, EUA
75 - Guerra ao Terror, de Kathryn Bigelow, EUA
74 - Mr. Vingança, de Chan-wook Park, Coreia do Sul
73 - Kill Bill Volume 2, de Quentin Tarantino, EUA
72 - Amantes, de James Gray, EUA
71 - Sonata de Tóquio, de Kiyoshi Kurosawa, Japão



King Kong

70 - O Filho da Noiva, de Juan José Campanella, Argentina
69 - Cidade de Deus, de Fernando Meirelles, Brasil
68 - Clean, de Oliver Assayas, França
67 - Longe do Paraíso, de Todd Haynes, EUA
66 - Doze Homens e Outro Segredo, de Steven Soderbergh, EUA
65 - Embriagado de Amor, de Paul Thomas Anderson, EUA
64 - King Kong, de Peter Jackson, Nova Zelândia
63 - Taurus, de Aleksandr Sokurov, Rússia
62 - Jogo de Cena, de Eduardo Coutinho, Brasil
61 - O Pântano, de Lucrecia Martel, Argentina



Cleópatra

60 - O Sabor da Melancia, de Tsai Ming-Liang, Taiwan
59 - Cleópatra, de Júlio Bressane, Brasil
58 - Munique, de Steven Spielberg, EUA
57 - A Professora de Piano, de Michael Haneke, França
56 - Pinceladas de Fogo, de Im Kwon Taek, Coreia do Sul
55 - Edifício Master, de Eduardo Coutinho, Brasil
54 - Desejo e Perigo, de Ang Lee, Taiwan
53 - Clube da Lua, de Juan José Campanella, Argentina
52 - A Casa de Alice, de Chico Teixeira, Brasil
51- Sparrow, de Johnnie To, Hong Kong



O Sol

50 - Encontros e Desencontros, de Sofia Coppola, EUA
49 - O Amor em Cinco Tempos, de François Ozon, França
48 - O Sol, de Aleksandr Sokurov, Rússia
47 - Colateral, de Michael Mann, EUA
46 - Pulse, de Kiyoshi Kurosawa, Japão
45 - O Ultimato Bourne, de Paul Greengrass, EUA
44 - Zodíaco, de David Fincher, EUA
43 - A Menina Santa, de Lucrecia Martel, Argentina
42 - Paranoid Park, de Gus Van Sant, EUA
41 - Canções de Amor, de Christophe Honoré, França



Má Educação

40 - Mulher na Praia, de Hong Sang-soo, Coreia do Sul
39 - Ratatouille, de Brad Bird, EUA
38 - Eternamente Sua, de Apichatpong Weerasethakul, Tailândia
37 - Hulk, de Ang Lee, EUA
36 - Abraço Partido, de Daniel Burman, Argentina
35 - A Paixão de Cristo, de Mel Gibson, EUA
34 - Em Busca da Vida, de Jia Zhang-ke, China
33- Má Educação, de Pedro Almodóvar, Espanha
32 - O Que Você Faria?, de Marcelo Piñeyro, Espanha
31 - O Segredo de Brokeback Mountain, de Ang Lee, EUA



Aura

30 - Prenda-me se For Capaz, de Steven Spielberg, EUA
29 - Adeus, Dragon Inn, de Tsai Ming-Liang, Taiwan
28 - Dogville, de Lars von Trier, Dinamarca
27 - O Hospedeiro, de Bong Joon-ho, Coreia do Sul
26 - Santiago, de João Moreira Salles, Brasil
25 - Menina de Ouro, de Clint Eastwood, EUA
24 - Um Homem Sério, de Ethan Coen & Joel Coen, EUA
23 - Dançando no Escuro, de Lars von Trier, Dinamarca
22 - Aura, de Fabian Bielinski, Argentina
21 - Dolls, de Takeshi Kitano, Japão



2046

20 - Gerry, de Gus Van Sant, EUA
19 - Homem-Aranha 2, de Sam Raimi, EUA
18 - À Prova de Morte, de Quentin Tarantino, EUA
17 - A Supremacia Bourne, de Paul Greengrass, EUA
16 - 2046, de Wong Kar-Wai, Hong Kong
15 - As Coisas Simples da Vida, de Edward Yang, Taiwan
14 - Procurando Nemo, de Andrew Stanton, EUA
13 - Mal dos Trópicos, de Apichatpong Weerasethakul, Tailândia
12 - Exilados, de Johnnie To, Hong Kong
11 - A Questão Humana, de Nicolas Klotz, França



Lavoura Arcaica

10 - Femme Fatale, de Brian de Palma, EUA
9 - Onde os Fracos Não Têm Vez, de Ethan Coen & Joel Coen, EUA
8 - Moulin Rouge, de Baz Luhrmann, Austrália
7 - As Ervas Daninhas, de Alain Resnais, França
6 - Lavoura Arcaica, de Luiz Fernando Carvalho, Brasil
5 - O Novo Mundo, de Terrence Malick, EUA
4 - Fale Com Ela, de Pedro Almodóvar, Espanha
3 - Reis e Rainha, de Arnaud Desplechin, França
2 - Amor à Flor da Pele, de Wong Kar-Wai, Hong Kong

E o melhor filme da década é:



1 - Miami Vice, de Michael Mann, EUA

domingo, março 07, 2010

Oscar 2010 #2

O filme mais complicado, instigante e inteligente do Oscar deste ano vem da sempre impecável linhagem dos irmãos Coen, que andam em fase inspiradíssima e especialmente cruel após Onde os Fracos Não Têm Vez. É essa também a fase em que eles menos recorrem à muleta da revisão dos gêneros clássicos do cinema americano, como fizeram durante toda a carreira, de Gosto de Sangue a O Amor Custa Caro. Agora, sem o filtro referencial, radicalizam uma visão de mundo pessimista e desconcertante: Um Homem Sério, o mais recente e indicado a Melhor Filme e Roteiro Original, talvez seja o filme em que o olhar deles sobre a vida é mais claro e límpido - não há muito sentido nas coisas, e pronto.

Se em Onde os Fracos... e Queime Antes de Ler sobressaiam-se entrelinhas políticas e uma sufocante malaise americana, Um Homem Sério é mais pessoal, menor, a partir do fator biográfico que o acompanha. É uma história muito judaica sobre personagens meio intelectuais vivendo a virada dos anos 60, período em que os Coen viviam a adolescência, e o garoto do filme faz a providencial descoberta da maconha enquanto o mundo de seus pais desmorona numa sequência de fatos absurdos.

Se a comédia de erros sempre esteve presente no cinema dos irmãos a partir de histórias de crimes fracassados, Um Homem Sério sugere que a vilã, desta vez, é a própria vida. Dentro do inferno sofrido pelo professor universitário que protagoniza o filme, não há nada que não seja real. Nada passa por fantástico ou extra-terreno, como assassinos psicopatas e mulheres perigosas. Os mecanismos dessa tortura podem ser o resultado de um exame médico, a rejeição da esposa, a expectativa de uma promoção no trabalho...



Apesar de aparentemente comezinho, esse conjunto de tensões acumuladas do cotidiano de um pai de família ganham as mesmas dimensões de horror já vistas em filmes como Ajuste Final, ou Fargo. O final, sagração do niilismo, coroa genialmente o tom de descrença em tudo e impotência geral diante da aleatoriedade da vida. Exasperante.

Aliás, nem precisava dizer, mas os Coen continuam fazendo o melhor cinema narrativo do mundo, de controle absoluto de cada imagem, cada plano, cada inflexão de voz de cada coadjuvante, como se tudo já estivesse concebido em sua perfeição desde o roteiro. E esse aqui é absolutamente o filme mais bem montado que o cinema vê em muito tempo.

>>> O segundo dos três filmes incríveis deste Oscar (o terceiro é Bastardos Inglórios, de que já falamos) é Guerra Ao Terror, de Kathryn Bigelow. O maior êxito desse aqui é ser composto como uma série de esquetes, que postas em sequência, desmentem o filme visto e o aponta rumo a um sentido oposto: de vibrante filme de ação para reflexão sobre a natureza viciante desta ação.

O jeito como Bigelow dispõe a história do desarmador de bombas que não consegue viver sem o desafio do perigo (Guerra ao Terror tem uma cena eletrizante depois da outra) me lembra um filme bem distante geográfica e tematicamente, mas com os mesmos artifícios.

Não estamos muito longe do repórter de celebridades de A Doce Vida, de Fellini, sempre atrás de uma história absurda, cada uma sem ligação com a anterior, mas juntas, capazes de formar um panorama de uma pessoa obcecada por aquilo tudo mas crítica o suficiente para detestá-la, mesmo sem conseguir sair desse trilho. A comparação não é tão absurda: para Bigelow, a geuura não deixa de ser um espetáculo do qual seu protagonista insiste em fazer parte.

>>> Um Sonho Possível é uma incógnita: é até uma Sessão da Tarde ok, mas sua indicação ao Oscar é mais absurda que a de Chocolate, de Lasse Hallström. Sandra Bullock tem carisma, mas vai levar o Oscar por questões estritamente industriais. Apenas mais um feel good movie beneficiado por uma bilheteria. Mais quadrado impossível. Ainda assim, acho melhor que Coração Louco, que vai tirar Jeff Bridges do jejum (ele está bem, nada demais). O filme não tem nem o domínio de tempo de Um Sonho Possível. Estruturas rangem, e é difícil lutar contra o sono. A música é bacana, e só.

terça-feira, fevereiro 16, 2010

Oscar 2010 #1

Invictus, de Clint Eastwood, é um filme que se beneficia muito de sua inserção no currículo de um grande mestre, com estilo e preocupações amplamente reconhecidas, e de sua existência como “peça de cinema” de maneira quase abstrata, sem uma dependência em relação à “história real” que expõe. Clint não retrata; filma.

Sua apreensão por este lado puramente cinematográfico é muito mais sadia. Clint retoma pela enésima vez seu tema da vingança e dos amargores do passado, coisa presente em sua obra desde os anos 70, mas aqui usa o assunto como ponto de partida, e não como fim.

Antes os personagens só se embolavam com as conseqüências da necessidade de dar o troco e, ao fim, aprendiam o quanto perderam neste processo, mesmo que toda a violência tenha sido necessária. Em Invictus, Clint lida com um ser humano tão calejado e superior que já começa o filme despido destes sentimentos, e o que vemos se desdobrar é a seqüência de estranhamentos causados justamente pela renúncia à vingança. Mandela chega no filme pronto, um deus como talvez realmente o seja. Deus não tem arcos dramáticos, claro.

O ponto dinâmico do filme é, em primeira instância, não Mandela, o protagonista, mas o jogador de rúgbi branco que recebe a missão de vencer o campeonato impossível. Num nível maior, e mais amplo, quem muda e aprende no filme é a própria África do Sul, unida cinematograficamente a fórceps pela alegria de uma conquista esportiva. Temos um país no início e outro no fim do filme.



Tal processo é filmado com a habitual precisão do diretor, com sua impecável levada Hollywood anos 40 de fazer cinema. O filme passa como uma grande matinê de Raoul Walsh sobre alguma cidadezinha do Arkansas unida por um objetivo comum – ritmo, câmera, texto sintético, tudo com a leveza profissional de um homem com domínio completo de seu ofício. Não são poucos os momentos de grande impacto – é de cair o queixo que essa encenação clássica torne atrativo um esporte como o rúgbi e uma historinha que só seria mais clichê se fosse fictícia. Tudo se dobra ao grande Clint.

Quase tudo, na verdade. O problema incômodo de Invictus é que ele realmente não se passa nessa cidade ideal do Arkansas, e a projeção desse molde de cinema sobre um país real passa como um equívoco pelo deliberado simplismo de ver anos de tensão social e racial se diluírem como em um comercial de cerveja.

O filme é sobre um golpe de marketing, mas é ingênuo o suficiente para endossá-lo com abraços de patroa e empregada (branca e negra) na arquibancada. Não são apenas coisa da “emoção do momento”, mas pequenas verrugas que ajudam a compor a sensação de missão cumprida que Mandela tem no fim do filme. O molde pode ser maravilhoso, mas seu encaixe não é dos melhores.

>>> A sensação de irrealidade sobre esse cenário sul-africano apresentado por Clint Eastwood se destaca ainda mais diante da ficção científica Distrito 9, uma alegoria diabólica sobre as tensões que o país enfrentou, e produto claro de feridas não cicatrizadas.

Difícil disfarçar o espanto com a sucessão de bolas dentro na transposição do cenário do apartheid a uma história sobre aliens refugiados na Terra, mais precisamente em Joanesburgo. Há desde a situação básica da township composta por pessoas inferiores, a violência e a tentativa de justificação legal deste tratamento, até a presença de terceiros elementos imigrantes também marginalizados.

A câmera nervosa e tensa do filme não ganha o imediato selo de aprovação concedido ao vocabulário elegantíssimo de Eastwood, mas o resultado não é apenas adequado, como também muito inteligente. Não temos aqui a urgência básica de um Cidade de Deus, mas um cinema consciente do impacto da cobertura do 11 de Setembro como narrativa audiovisual na mente de toda uma geração.

A mediadora do caos entre o filme lá e nós espectadores é a presença de um falso documentário. Nada de anormal até aí, mas o uso das tais imagens de arquivo captadas dos telejornais e sua importância cada vez maior no filme criam a incômoda sensação de acompanhar um desastre ao vivo, seja um sequestro de uma garota pelo namorado ciumento ou um atentado de grandes proporções. Dois filmes vêm à mente: o magnífico e eletrizante Guerra dos Mundos, de Spielberg e, nem tão próximo, o documentário Ônibus 174, de José Padilha.


>>> Educação, de Lone Scherfig, pode até parecer uma boa ideia no papel, mas é de uma mediocridade visual e narrativa de dar vergonha à mais modesta novela do SBT. E o conservadorismo, então – em vez de acentuar as novas sensações de uma garota tornando-se mulher, Educação as expõe apenas para condená-las em última instância.

Apesar disso tudo, a atriz praticamente estreante Carey Mulligan é um arraso, uma máquina de tirar leite de pedra, sempre deixando no ar uma frase a menos, abrindo horizontes para que se tenha vontade de entrar no seu pensamento. Sua expressividade (olhos e boca bem flexíveis) não a torna caricata, mas a possibilitam recorrem a um grande arsenal de emoções, em número bem maior até do que o filme normalmente ofereceria. Nem vi todas as concorrentes a melhor atriz, mas ela é claramente minha vencedora.

>>> Sobre Preciosa, eu também queria poder dizer que ao menos as atuações impressionam, mas, sinceramente, essa tonelada de prêmios sobre Mo'Nique é completamente excessiva É uma atuação sem modulações, feita de clímaxes, em uma nota só – esta é a mãe detestável e filha da puta que oprime a protagonista. A estreante Gabourey Sidibe é boa, até, mas não tem quem segure tantas escolhas constrangedoras, do texto que beira a autopiedade a esse visual clipado-bobo. No fim, soa como um Desabafo que Márcia exibia em seu programa de lavagem de roupa suja.

>>> Já Amor Sem Escalas é bem superior aos dois primeiros filmes de Jason Reitman, com um cinismo nem tão ostensivo nem vontade de soar cool. Tem o bem-vindo ar de um conto para adultos, a atualidade de uma história corporativa e um esmero artesanal de texto e montagem, como se o ritmo dos cortes fossem marcados pelos trechos mais pontiagudos do roteiro. Claro que o filme meio que se desequilibra ao quase redimir o protagonista, mas não há nada tão brusco assim – e o moralismo é finamente rebatido pelas revelações sobre outros personagens importantes.

Em tempo: Clooney excelente como sempre, essa garota nova Anna Kendrick muito bem também, mas boa parte da boa vontade com o filme vem da presença maravilhosa de Vera Farmiga, sensual, sutil, humana, e com incrível talento para projetar intimidade e conforto. Ela parece mais próxima do lado de cá da tela do que a maioria dos atores que tenho visto nos últimos tempos. O Oscar que vai para Mo'Nique seria dela, por direito.

quinta-feira, fevereiro 04, 2010

Sessão Bola Preta

Não quero falar de Oscar, até porque ainda tem muita coisa para ver e o assunto tá enchendo tanto o saco quanto Lost (e vejam só, Lost é o pior assunto da Terra e além). Vamos atualizar o movielog então, que, em termos de qualidade, não anda nada bem.

O primeiro lixo é a imensa decepção do Anticristo, de Lars von Trier. Já escrevi por aqui umas duzentas vezes o quanto ele é genial, doido, anormal, etc, mas ver esse filme dá a sensação de que praticamente nada restou do cara que fez Ondas do Destino.

A fruta está podre desde o miolo, um fiapo de roteiro cheio de diálogos infantis travestidos de psicanálise, que, depois, acabam se convertendo em metáfora sociológica.



Com esse ponto de partida, não tem como dar certo, porque a base da qualidade do cinema dele é justamente o roteiro, o texto, a capacidade de armar situações aterrorizantes primeiramente em sua forma escrita.

Todo mundo observa as repetidas revoluções de imagem por ele trazidas, mas a verdade é que tudo isso sempre veio de scripts implacáveis, finos e clássicos, com a sempre presente referência de Barry Lyndon, de Kubrick.

Se o texto não sai, esse demônio da imagem fica girando no vazio, tentando injetar força num blá blá blá tolo e pretensamente bergmaniano na sua vontade de fazer um chamber drama de horror.

Em vez de peso e profundidade, Anticristo parece estranhamente publicitário, como um filme tirado e espertinho de Heitor Dhalia. A pretensão e a plasticidade da imagem me fazem lembrar aquele terrível Nina, que queria ser Dostoievski. Enfim, o resultado é que o filme nem chega a sair do lugar, e debate-se furiosamente como uma barata deitada sobre a própria carapaça.

Em tempo: pela primeira vez num filme de Lars von Trier, os atores estão terríveis - mesmo Charlotte Gainsbourg, premiada em Cannes.

Pra comprovar que Manderlay iniciou uma fase nada feliz de Von Trier, vi também, e em atraso, O Grande Chefe. Eu queria dizer que é uma porcaria, mas nem mesmo a paixão pra isso o filme desperta. Não é "revoltantemente" ruim como Anticristo. É nulo.

Se Lars von Trier ao menos tem um passado a zelar, o que dizer de Michel Gondry? A Natureza Quase Humana e Sonhando Acordado são dos piores filmes que eu já vi, e o segundo é pior ainda, tortura chinesa indie com aquela direção de arte metida a besta que a gente vê nos filmes desses clipeiros e de alguns cineastas falsos-gênios, como Wes Anderson.

Eu reclamava de Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças, mas ali pelo menos há uma tentativa de usar esse espalhafato espetaculoso a serviço de alguma coisa que não seja a própria "inventividade". Ô, cansaço...

quarta-feira, janeiro 20, 2010

O dia de Fellini. E de Lynch

Não acredito em destino, etc, mas não deixa de ser curioso ter visto um vídeo no YouTube em que Momentum, de Aimee Mann, ganha uma montagem sobre imagens de 8 1/2 e horas depois descobrir que Fellini completaria 90 anos hoje.

Acho que o primeiro Fellini que vi foi Amarcord, num VHS locado na VideoHobby da Graça, há praticamente dez anos. Óbvio, na época o filme só me causou estranhamento, e eu precisei de pelo menos mais cinco anos para descobri-lo por inteiro, como se deve, numa sala de cinema - no caso, a Walter da Silveira.



Poucas vezes chorei tanto num filme. Chorava em cenas aleatórias, por qualquer coisa, até em sequências que deveriam ser cômicas, como a do garoto que se aproxima da boazuda Gradiska numa sala de cinema.

O motivo é fácil de decifrar - Amarcord, eu me lembro, é o filme mais nostálgico já feito, bêbado de memórias falsas e verdadeiras, e, por consequência, é um épico sobre o tempo. As pessoas, as situações e as coisas passam e não há volta. Não há nada mais triste do que isso, afinal, mesmo quando as lembranças são as mais alegres.

Em Amarcord a gente chora e ri, ao mesmo tempo e sem parar. É o filme mais catártico de Fellini, porque a memória é sua única preocupação. Ele foi mais ambicioso e intelectual - e melhor, mesmo - em A Doce Vida e 8 1/2, e talvez mais focado e preciso em coisas como A Estrada da Vida e Noites de Cabíria, mas meu coração fica mesmo com o caos e a desorganização deslumbrantes de Amarcord.

*

Hoje também é aniversário de David Lynch, que acaba de ter seu Mulholland Drive celebrado por meio mundo (Cahiers, inclusive) como o melhor filme da década. É um filme potente, mas essa fase de entrega total ao absurdo, continuada com Império dos Sonhos, sinceramente não me diz muita coisa.

Lynch já era radical sem precisar mergulhar na abstração absoluta, acho, e mesmo seus saltos sem rede pareciam mais interessantes nas décadas de 80 e 90. Não há nada em seus filmes recentes que não me pareça mais bem desenvolvido e perturbador em A Estrada Perdida, praticamente sua obra-prima, não fossem História Real e Coração Selvagem.



Fãs radicais do autor em geral ficam com as obras mais novas ou Veludo Azul, mas tenho a tendência a admirar o modo como sentimentos estranhamente bons acabam se misturando no mundo de horror de Lynch.

Em História Real, nada me desconcerta como o olhar dos dois homens velhos que reconhecem, um no rosto do outro, a participação na Segunda Guerra. A mesma generosidade explode ainda mais em Coração Selvagem, em que um grande amor vence todas as batalhas contra o horror, a violência e o absurdo. E com "Love Me Tender" no final.

sexta-feira, janeiro 08, 2010

Os injustiçados + Avatar

Lista é sempre aquela coisa. A gente faz somente para se arrepender logo depois. Não vou alterar o Saymon Awards, mas, além do pesar pelo monte de coisa que eu não vi, não posso deixar de registrar o arrependimento por nem ter considerado na hora de fazer a lista duas coisas de que gostei muito ano passado.

A primeira é o deslumbrante Deixa Ela Entrar, um filme que atualiza toda a mitologia vampiresca para um corte impecavelmente nórdico, tanto no seu ritmo muito mais lento e calculado, quanto na delicadeza com que esse cinema costuma tratar os sentimentos, mesmo os mais sutis. Quase 20 anos depois, não tem como negar em Deixa Ela Entrar o DNA da obra-prima Minha Vida de Cachorro nesse relato dos ritos de passagem da infância à adolescência.

>>> O outro filme é menos popular, mas é igualmente convicto e apaixonado por seu ponto de vista de cinema, um ponto de vista que privilegia a forma, o espetáculo, a grande narrativa hollywoodiana em sua versão mais opulenta. Em Austrália, depois de três filmes sensacionais margeando as popices contemporâneas filtradas por todas as mídias e artes ao mesmo tempo, Baz Luhrmann firmou o foco no cinema e pôs pra fora deliberadamente seu repertório histórico numa tirada de chapéu ao glorious technicolor, breath-taking cinemascope & stereophonic sound.



É um filme que tem martelado minha cabeça - só sumiu na hora da lista - e o que tinha a dizer sobre ele foi mais ou menos cuspido numa discussão no orkut, onde postei os três parágrafos a seguir. Como não vou conseguir me articular melhor, reposto aqui:

"Sempre associei o cinema dele a uma coisa quase circense de conseguir se equilibrar mesmo em altíssima velocidade, não só em sua formatação cinematográfica, câmera, edição, clip, mas também à capacidade inflar o banal e o superficial rumo a uma estarração dessa superficialidade.

"Tem uma frase do Inácio na crítica de Maria Antonieta que passou a me perseguir quando eu penso em Baz Luhrmann. Inácio adora o filme, mas reclama que Kirsten Dunst não é superficial o suficiente para a personagem, e é assim que eu penso em Luhrmann, tendo atingido esse grau de superficialidade suficiente para que seus filmes sejam balões de gás ultraimpactantes.

"E o curioso é que este impacto acaba por comentar a superficialidade de que deveria fazer parte, mas não faz, justamente pela inteligência de sua metalinguagem. Nada solene, aliás, mas agressiva, uma autofagia doida do cinema sobre o cinema que tem um par menos nervoso e mais elegante em Brian de Palma".

Enfim, ele continua filmando com uma fome incrível de imagem, tirando grandes cenas a partir de um roteiro que é um praticamente um nada, mas um nada que pede pra ser filmado em grande escala. Pode-se usar essa ideia justamente para criticá-lo – glorificação do vazio, entronização do pastel de vento –, mas acho que o sentido da avaliação é contrário. A manipulação da forma torna o cinema tema de si mesmo e revela mais uma vez um diretor ciente de seu poder ao conduzir a relação das pessoas com a mentira, a fantasia e a arte.

Mesmo tendo renegado o filme, chama a atenção a preciosa atuação de Nicole Kidman, atriz que não tem medo de fazer a southern belle texana com sotaque britânico, à moda de Vivien Leigh. Faz tempo que ela, quase sempre formidável, não aparecia na tela com tanto vigor, consciente do poder de seu megaestrelato e da função deste em um filme tão empenhadamente fake.

Depois de suas exaustivas três horas – as melhores três horas que Hollywood nos proporciona desde o maravilhoso King Kong de Peter Jackson – resta a pergunta: e agora, Baz Luhrmann? Sua carreira ficou num enigma, e seus veios parecem esgotados pela própria energia aplicada em cada um de seus filmes: poderá ele voltar ao musical depois de Moulin Rouge? Seu pós-modernismo não já era passé desde Romeu + Julieta? Como poderá filmar em Hollywood mode após Austrália? Esperamos que a resolução deste impasse não seja a repetição, mas outra tomada de risco.

>>> Também em três horas de delírio hollywoodiano, aproveito pra mencionar o desbunde do Avatar de James Cameron. O filme é super, mais uma prova do imenso talento de Cameron a conduzir ação/aventura, talento inabalado mesmo com férias de dez anos desde Titanic - por sinal, um excelente thriller.



Se o lado montanha russa é de ficar embasbacado - a maioria absoluta dos blockbusters aventurescos me causa um tédio infernal -, essa história de futuro do cinema é forçação. Não adianta ter a tecnologia de ponta mais desgraçada do mundo que isso não significa nada diante de uma narrativa que é quase Errol Flynn, um capa e espada dos anos 30 mais bem equipado, e pronto.

Nada contra isso, aliás, super a favor, mas, futuro, futuro mesmo, tá muito mais nas Ervas Daninhas de Resnais. Tá ali uma sessão à prova de naftalina.

terça-feira, janeiro 05, 2010

Saymon Awards 2010

Se nos anos anteriores eu já cometia falhas indesculpáveis perdendo filmes essenciais, em 2009, com a mudança para Angola, as coisas pioraram ainda mais. A lista a seguir contempla, como sempre, o calendário de estreias de Salvador, o que implica a presença de filmes já vistos em 2008 em outras plagas, e, claro, a ausência de muita coisa que não saiu do circuito RJ-SP. Não que eu fosse conseguir ver tanta coisa como Filipe Furtado, por exemplo, mas... Deixemos de justificativas:

10 - A Bela Junie, de Christophe Honoré - Honoré continua amando a nouvelle vague, mas virou a chave pro Trufô de As Duas Inglesas e o Amor. Literário e ultra moderno.

9 - Entre os Muros da Escola, de Laurent Cantet - Quem diria, hoje em dia, um choque de realidade! Ou a realidade em choque.

8 - Juventude, de Domingos Oliveira - O melhor filme de Domingos desde Separações. Parou de projetar sentimentos nas mulheres e filmou em primeira pessoa.

7 - Gran Torino, de Clint Eastwood - Clint aprende o que é sacrifício e para dentro de um caixão. É aqui que ele olha para o "outro" com generosidade, e não em Cartas de Iwo Jima, onde dobra o estrangeiro a sua visão de mundo americana.

6 - Amantes, de James Gray - O amor dói mais para os hipersensíveis. Converte os descrentes em James Gray.

5 - UP - Altas Aventuras, de Pete Docter - Lirismo delicadíssimo, narrativa clássica econômica e precisa. A palavra é quase desnecessária.

4 - Bastardos Inglórios, de Quentin Tarantino - Ao contrário de seus filmes anteriores, Bastardos Inglórios é humanamente vazio, mas a paixão pelo cinema como tema absoluto nunca o torna estéril. Lembra muito o Brian De Palma da fase Hitchcock.

3 - Um Conto de Natal, de Arnaud Desplechin - Difícil, excessivo, atropelado e muito irregular. Tanta gordura não impede que esse seja o filme mais apaixonado por gente do ano. Os melhores atores do mundo.

2 - Desejo e Perigo, de Ang Lee - Ang Lee nunca tão suntuoso. Ang Lee nunca tão minimalista. Filme tem a classe sufocante dos grandes mestres do épico, como o Coppola de O Poderoso Chefão II. Mesmo tom. Gigantesco e discreto, lento e explosivo.

... E o grande Saymon Awards vai para:



1 - Ervas Daninhas, de Alain Resnais - Resnais e os desequilíbrios do amor, aliás, metaforizados de maneira espetacular num desfecho de entrar para a história, dentro de um avião. Rara leveza para filmar os intempestivos atos de amor. A nouvelle vague não morreu, afinal.

Cinco atores:



1 - Gregoire Leprince-Ringuet, A Bela Junie
2 - Aderbal Freire Filho, Juventude
3 - Mathieu Amalric, Um Conto de Natal
4 - Christoph Waltz, Bastardos Inglórios
5 - Joaquin Phoenix, Amantes

Cinco atrizes:



1 - Meryl Streep, Dúvida
2 - Marion Cotillard, Inimigos Públicos
3 - Kate Winslet, Foi Apenas um Sonho
4 - Penélope Cruz, Abraços Partidos
5 - Catherine Deneuve, Um Conto de Natal

Dez melhores filmes que vi pela primeira vez esse ano, de qualquer época:



1 - A Tortura do Medo, de Michael Powell (GBR, 1960)
2 - As Duas Faces da Felicidade, de Agnes Varda (FRA, 1965)
3 - Lúcio Flávio - O Passageiro da Agonia, de Hector Babenco (BRA, 1977)
4 - O Segredo Íntimo de Lola, de Jacques Demy (EUA, 1969)
5 - Quando Uma Mulher Sobe as Escadas, de Mikio Naruse (JAP, 1960)
6 - Desejo Profano, de Shohei Imamura (JAP, 1964)
7 - Entre Dois Fogos, de Anthony Mann (EUA, 1948)
8 - O Enforcamento, de Nagisa Oshima (JAP, 1968)
9 - Juste Avant La Nuit, de Claude Chabrol (FRA, 1971)
10 - Morrer de Amor, de Alain Resnais (FRA, 1984)

Saymon Awards 2009

Saymon Awards 2008