sexta-feira, março 22, 2013

Tremé

Depois de sorver a conta-gotas, numa média de um episódio a cada quinze dias, finalmente terminei a primeira temporada de Treme. É algo realmente especial, incrivelmente generoso, cheio de amor pelo grupo de pessoas e pela cidade que filma, sem nenhum ranço de fofismo ou de instagramismo, que é aquela falsa melancolia que só posa de tristeza de verdade, mas não fere nem machuca.

Treme é de outra liga, livre, solta, sem obrigações estruturais de televisão, de fazer coisas acontecerem, de personagens gritarem, de criar emoções artificiais para obrigar o público ao ver o próximo episódio. O que ele quer é o ritmo da vida, individual e coletivamente, filtrado pela música de uma cidade.

No fundo, me vem forte a memória de Nashville, especialmente aquele final com Barbara Harris puxando It Don't Worry Me e empurrando a vida para frente enquanto alguém acaba de morrer ao seu lado. A banda tocando no funeral na última cena do finale é a mesma coisa, um the show must go on insinuado em toda as inserções musicais da temporada, mesmo as mais festivas.

Eram todas, sempre, músicas de luto, as canções do enterro de uma velha New Orleans, mas com a promessa de vida dessa nova cidade, marcada pela tragédia, e sim, sem pieguice, pela superação. Enfim, é uma série linda, que lembra grandes momentos da narrativa sulista pra muito além da televisão. David Simon parece mirar em algo entre Faulkner e Carson McCullers, o que indica que as suas ambições são bem incomuns.

Não é o caso de fazer uma série "melhor que cinema" (severas aspas), como Mad Men, que ganharia facilmente uma Palma de Ouro das séries, se houvesse uma (só há Oscar das séries, o Emmy, mas nada com tanto prestígio artístico). Simon quer outra coisa: mais que alcançar qualquer êxito formal e estético, The Wire e Treme mostram que ele quer ser o narrador definitivo dos Estados Unidos desse novo milênio. Podia bem ganhar um Nobel de literatura, como dramaturgos ganharam sem deixar de fazer especificamente teatro. Por que não?