sábado, novembro 29, 2008

40's

Chico fez uma lista excelente dos melhores filmes dos anos 40 para a eleição da Liga dos Blogues Cinematográficos. Não faço parte da liga, mas vou me arriscar também na empreitada, Claro, sem o fôlego dos 50 filmes, ou o photoshop para ordenar as capturas. Cidadão Kane é hors-concours.

Vamos ver:

10 - A Sombra de Uma Dúvida, de Alfred Hitchcock


9 - As Vinhas da Ira, de John Ford


8 - Desencanto, de David Lean


7 - Curva do Destino, Edgar G. Ulmer

6 - Pai e Filha, de Yasujiro Ozu


5 - O Boulevard do Crime, de Marcel Carné


4 - Uma Aventura na Martinica, de Howard Hawks


3 - Fuga ao Passado, de Jacques Tourneur


2 - Carta de Uma Desconhecida, de Max Ophuls


1 - Punhos de Campeão, de Robert Wise

quinta-feira, novembro 20, 2008

Duas vezes Delon

O Assassinato de Trotsky é mais um dos filmes-enigma de Joseph Losey. Alain Delon interpreta o matador, Romy Schneider é a namorada e Richard Burton o revolucionário soviético. O ano é 1940, há um plano para eliminar Trotsky, mas o filme não é sobre isso: personagens andam pra lá e pra cá em cenas que, no sentido tradicional, não vão a lugar algum.

O texto não é dos mais fáceis: não pela erudição, mas por, aparentemente, não concluir nada; não há nada remotamente construído em relação de causa e conseqüência, e, analiticamente, é difícil descobrir como o filme te pega pelo pescoço. Longe do thriller - isso não é O Dia do Chacal -, Losey faz mais uma obra perturbadora.



Não apenas porque o filme não se arma para chegar a quaisquer resoluções, mas porque emana um terrível e inexplicável mal-estar, do mesmo jeito que os igualmente intransponíveis Estranho Acidente e Cerimônia Secreta. Delon e Schneider, na platéia de um tourada sem quê nem porquê, participam de uma das cenas mais terríveis e angustiantes já vistas.

***

Eu admiro muito Alain Delon, por ter sido um astro que não sucumbiu diante da beleza do próprio rosto: preferiu construir uma carreira com Visconti, Losey, Zurlini, Antonioni... Um dos diretores que mais contribuíram para seu sucesso artístico foi Jean Pierre Melville, que desconstruiu a face de anjo em policiais gelados, filmes de gângster de molde América 1940 e poucos reconfigurados para especificações francesas - a bruma, o gelo, a frieza, e principalmente, o silêncio.

Ninguém fala dos filmes de Melville - somente o necessário. A imagem corre solta, especialmente em grandes e minimalistas cenas de assalto super-arquitetadas. Das três colaborações entre Delon e Melville, Expresso para Bordeaux é certamente a menor - até porque O Círculo Vermelho e O Samurai são obras-primas -, mas é cheia de prazeres.



Nunca um tapa na cara foi tão violento como nesse filme. Milhas distantes do politicamente correto, Delon estapeia um preso imigrante logo no início da projeção. Mais tarde, dá um senhor tabefe na cara do travesti informante, que lhe deu uma dica falsa. Tough guy, mas não é tipo.

Os filmes de Melville não são daqueles policiais ostensivamente profundos - Colateral, por exemplo - mas há sempre uma insinuação de tormenta interior muito forte nos seus personagens de cara fechada. A violência assusta nesse filme muito mais pela mera possibilidade que pode haver algo terrível por trás dos olhos de Delon, do que por qualquer explicação para o seu comportamento. O close-up final nele tem algo do desfecho de Bullit, de Peter Yates outro policial "operaprímico".

Mas se há alguma ponte a ser feita entre o filme e outro diretor, ele é Brian De Palma. Se os zooms e as elaboradas cenas de ação sem diálogos (o início de Femme Fatale, por exemplo) já indicavam uma influência, Expresso Para Bordeaux nos revela que a cena de perseguição entre o trem e o helicóptero de Missão: Impossível é uma bela homenagem a Melville.

domingo, novembro 09, 2008

Lubitsch não faria

Agora entendo o fracasso de Beija-me Idiota, de Billy Wilder. O filme não é nada fácil: carro de cantor famoso e mulherengo quebra numa cidadezinha pequena. O compositor local decide hospedá-lo, como é muito ciumento, decide brigar com a mulher - que é fã do cantor para tirá-la de casa por uma noite, e a substituiu por uma prostituta. A certa altura da projeção, os papéis se invertem de vez, a esposa vai parar no trailer da prostituta. Essa troca de papéis chega a ser consumada sexualmente, isso em 1960 e poucos. O filme é uma comédia.



Ligações perigosas

Não tinha como dar certo: a própria chegada aos anos 60 torna cenários e ambientação mais realista, que não casa nem um pouco com a graça farsesca que Billy Wilder imprime no seu roteiro. Por outro lado, o filme tem níveis inéditos de grosseria. Mesmo nos filmes mais sexualizados que Wilder havia feito até então, não há piadas como "Não é muito grande, mas é limpa" - uma referência de duplo sentido feita pelo compositor, quando mostra a sua casa à prostituta.

Wilder, que tinha uma plaquinha no escritório dizendo "What would Lubistch do?", nunca se afastou tanto de seu mestre. Beija-me Idiota tem a sutileza de uma jamanta. É um filme extremamente ácido e agressivo, tanto que fica a dúvida: é bom pela coragem ou ruim pelo exagero? Em DVD.

sábado, novembro 08, 2008

Am I Blue?

A Noite do Iguana

Por que raios eu nunca tinha visto A Noite do Iguana, de John Huston? Merten já havia mencionado a grande cena desse filme, mas ainda assim, ela vem como um trator. O padre desequilibrado interpretado por Richard Burton está amarrado numa rede, para não se matar. Deborah Kerr é uma solteirona, artista mambembe, que havia conhecido o padre no mesmo dia.


O padre e a blasfêmia
Burton pergunta à solteirona se ela já teve experiências "amorosas". Ela havia tido duas. Kerr detalha, em close, como deu um berro quando um colega de classe pôs a mão em seu joelho dentro do cinema. A segunda - Kerr ainda em close-up - foi durante uma viagem em Hong Kong, quando um homem pediu uma peça de roupa da solteirona após pagar um preço generoso por um de seus quadros. Ela aceita, e entrega a peça, enquanto o pagante está de olhos fechados.

Kerr: close-up
O brilhantismo dessa cena resume o melhor de um certo cinema falado feito nos Estados Unidos, inimitável. O que está em jogo, em 100% do tempo, é a palavra e o ator, e John Huston tem confiança absoluta nessas coisas que hoje estão fora de moda. Mas, como achar um texto tão magnífico como esse, assinado por Tennessee Williams? Onde encontrar uma atriz com a desenvoltura de uma Deborah Kerr, sustentando um close bergmaniano desses sem apelar pro silêncio? Velho, datado e empoeirado como esse filme supostamente é, o resultado é de tirar o fôlego. Cinco estrelas, fechadas.

Sem amarras

Isso tudo sem mencionar Ava Gardner. Nunca vi A Condessa Descalça, o auge de sua carreira, mas impressão sobre ela foi sempre a de uma mulher deslumbrante, mas uma não-atriz, no sentido pejorativo do termo. Neste filme, sob a direção de Huston, e já passada da juventude, ela despeja uma maravilhosa sensualidade madura, humana e desglamourizada - linda e mediterrânea, meio Irene Papas, meio Sophia Loren.

terça-feira, novembro 04, 2008

O fim do realismo

Encarnação do Demônio, de José Mojica Marins, é o segundo grande choque de artificialismo no cinema brasileiro em 2008, depois de Falsa Loura, de Carlos Reichenbach. A cinematografia nacional me parece extremamente cansada em seus clichês de realismo: silêncio, calmaria, e uma defesa de direção de intérpretes baseada na transparência.

O bacana é o não-ator, a técnica não presta, e atores profissionais devem se submeter a preparadores de elenco para se despirem de seu tiques. Hum, não há como não bater palmas para o efeito alcançado por Walter Salles e Daniela Thomas em Linha de Passe, mas será esse o único caminho do cinema? Por que não vejo um filme nosso bom ser, por exemplo, adaptado de alguma peça de teatro, com atores medalhões e texto sólido. Será medo do fantasma do academicismo? Ou uma idéia equivocada de que o realista é superior ao artificial?



Linha de Passe e a ditadura do realismo

Tanto temor acaba transformando a via régia em outro clichê gasto: é indisfarçável certo tédio em sessões como as de Cão Sem Dono, de Beto Brant e Renato Ciasca, ou O Céu de Suely, de Karim Aïnouz, por melhores que sejam esses filmes. Vendo o argentino Leonera, de Pablo Trapero (produzido por Salles, da mesma linhagem Wenders, fiquei convencido que o filão acabou: colonização à parte, precisamos de um DePalma, um Verhoeven, um Desplechin.

Ah, claro, tem que prestar também, porque tirando exceções pontuais (A Via Láctea, de Lina Chamie; O Ano em Que Meus Pais Saíram de Férias, de Cao Hamburger) a única tendência de nossa ficção fora desse círculo citado que presta é o favela thriller da 02, cada vez mais responsável: que viva o excelente Cidade dos Homens, de Paulo Morelli.



Zé Celso rouba a cena

Pois bem, o filme de Marins é mais um que pinta fora dessa linha. Ou melhor, borra tudo, sádica e violentamente, com seus escalpos sendo retirados, mulheres estripadas e cabeças cortadas. É uma obra impressionante pelo conservado poder de choque de Mojica, e tem uma das melhores seqüências filmadas em todo o mundo nessa década: a visita ao purgatório, com José Celso Martinez Corrêa de diabo, ou Deus. Mojica revisita de maneira muito feliz a cena do inferno de Esta Noite Encarnarei em Teu Cadáver, seqüência que é uma obra-prima de 10 minutos do cinema brasileiro, mais que o filme.

Pena que o filme sobreviva basicamente desse horror jogado no ventilador, e se equilibra completamente no gore. Atualizado, Encarnação do Demônio perde aquele tom de história de trancoso contada no interior, últimos registros de Brasil semimedieval, em que a população sai numa caça às bruxas com tochas em punho. Mojica no trânsito, na favela, ou balançando a cabeça por ver adolescentes cheirando cola é risível, quase patético. Seria melhor mantê-lo isolado, em algum fim de mundo, à O Homem de Palha. Sem essa velha magia, perde-se a loucura, a paranóia (ditadura militar, alguém?), e sobra um grande ilustrador do dantesco. O que é grande coisa hoje em dia, mas, na balança dos outsiders, sou muito mais a Falsa Loura de Carlão.

sábado, novembro 01, 2008

A vida é um milagre

Merten lembra: 31 de outubro, 15 anos de morte de Fellini. O senso comum está correto: A Doce Vida é mesmo o melhor Fellini em toda a sua modernidade e inteligência, Oito e Meio o mais radicalmente pessoal longa feito por qualquer diretor em toda a história, mas o meu Fellini preferido é Amarcord, um filme sobre memórias inventadas e transatlânticos de isopor.



Amor ao falso

Vi o filme pela primeira vez ainda na época do VHS, e foi meu primeiro Fellini. Lembro que pegava uns 40 minutos de ônibus para sair da Cidade Baixa à VideoHobby da Graça, onde estavam os clássicos que eu sempre quis ver. Amarcord me pareceu bonito de prima, mas só me pegou pelo pescoço quando o vi na tela grande, com som alto o suficiente para a música de Nino Rota entrar na veia. Não sou de chorar em filmes, mas saí da Walter naquele dia com a cara lavada, olhos doendo. Tava chorando não de tristeza, mas de graça. Amarcord não é um filme, mas um milagre.

***

Eu vi todos os Fellinis até Julieta dos Espíritos, acho, perdendo alguns a partir daí: Casanova, Cidade das Mulheres, A Voz da Lua. Um dia vejo todos. Da primeira fase dele, todos são lindos, mas antes da graça veio a amargura poética, que faz com que Giulietta Masina esteja rindo e chorando depois de ter sido abandonada, reeguendo-se em segundos após uma grande decepção. Ou a mais pura agonia, quando o gigantesco Anthony Quinn desmonta na praia com tanta angústia no peito.

Felliniano é sinônimo de extravagância, mas o excesso do diretor sempre tem peso. Enfim: tantos grandes filmes, que mesmo os que não são A Doce Vida representam com honra uma das melhores assinaturas que o cinema já produziu. Onde se acha, em alguma filmografia, obras secundárias do porte de Satyricon, A Trapaça, ou Os Boas Vidas?