segunda-feira, janeiro 04, 2016

Melhores 2015

Eu ia tentar ver mais algumas coisas antes de fechar essa lista, mas quer saber, é só uma lista, estou de férias, e posso deixar o que falta para depois, incluindo o que está em cartaz em Salvador agora (sorry, Trapero, Kawase, Garrel). Sem contar que eu já perdi um monte de coisa que queria ter visto mesmo e não tive chance, de Larraín a Domingos de Oliveira, de Alvaro Brechner a Andrew Haigh.
Antes disso, fica a ressalva de que a lista poderia ser melhor se tivessem entrado realmente em circuito as obras-primas Bird People, de Pascale Ferran, e o ultra incompreendido Blackhat, de Michael Mann. Os dois filmes passaram em sessões especiais em Salvador (o meu critério é ter entrado em cartaz na cidade em 2015).
Mas vamos lá fechar isso.
10 - A História da Eternidade, Brasil, de Camilo Cavalcanti
Ainda não sei se realmente gosto desse filme, mas ele é em partes tão forte e impressionante - embora consciente demais disso - que vale o voto de confiança, mesmo que o todo pareça desconjuntado e demasiado auto-importante. Mas vamos lá, é um filme de estreia, e bem promissor.
Sessão dupla: Japão, de Carlos Reygadas.
9 - O Conto da Princesa Kaguya, Japão, de Isao Takahata
O retorno do mestre de O Túmulo dos Vaga-lumes numa mistura de fantasia e melodrama que identifica imediatamente a tradição feminista e empática com as mulheres do cinema japonês. Esse conto é sobre uma princesa que se recusa a ser um objeto, mesmo que, no final das contas, até a intervenção divina lhe mostre que ela não tem muita escolha.
Sessão dupla: A Imperatriz Yang Kwei-Fei, de Kenji Mizoguchi.
8 - Três Lembranças da Minha Juventude, França, de Arnaud Desplechin
Desplechin voltou menos elétrico e mais nostálgico de um cinema bêbado de nouvelle vague. É derivativo, sim, mas o cara continua pondo tanto coração no que faz que o seu cinema ainda funciona, mesmo que esse arrebatamento de cartas de amor pareça já anacrônico nos anos 80/90. Desplechin deve boa parte do sucesso do filme à descoberta desse ator novo, Quentin Dolmaire, um proto Louis Garrel destinado ao estrelato. Bônus: todo o maravilhoso preâmbulo em Belarus, que faz o filme parecer que vai ser outra coisa.
Sessão dupla: As Duas Inglesas e o Amor, de François Truffaut.
7 - As Maravilhas, Itália, de Alice Rohrbacher
Num ano forte em cinema de referência, a teuto-italiana Rohrbacher reconjura intacta a dureza e a humanidade neorrealista na história das meninas de uma família numa Itália árida e pobre. Seguindo os passos de Reality, de Matteo Garrone, a televisão entra como um trator nessa realidade, do mesmo jeito que um dia o cinema o fez (no Belíssima, de Visconti, por exemplo). Com uma mão bem leve, Rohrwacher parece mais pessimista e amarga: o populismo televisivo é só um furacão efêmero, não muda nada.
Sessão Dupla: Pai Patrão, dos irmãos Taviani.
6 - Divertida Mente, EUA, de Pete Docter
Uma volta à forma da Pixar no seu conceito mais ambicioso. Em vez de antromorfizar o mundos dos peixes, dos insetos ou dos carros, dessa vez eles foram para dentro do cérebro humano, desvendar os mecanismos da depressão. O seu ponto de vista, no entanto, está longe de ser infantil. O filme está consciente da importância de coisas como o sacrifício, o luto e a importância de por vezes ceder à tristeza para que seja possível uma recuperação. Belo e profundo.
Sessão dupla: Poesia, de Lee Chang-Dong
5 - O Amor é Estranho, EUA, de Ira Sachs
Deixe a Luz Acesa já era um filme promissor pela honestidade com que lidava com a vida LGBT no hoje em dia, mas esse filme novo avança ainda mais casas no entendimento dessa vida em tempos em que batalha cultural está em grande parte, encaminhada. Sobra um sentimento mais universal, da perda que é se ver separado de um companheiro de 40 anos, e da necessidade física de estar perto de quem se ama. Não deixa de ser uma normatização, mas por outro lado, essas decisões do filme evidenciam o quanto, no fundo, somos todos muito mais iguais do que diferentes, sejamos heteros, homos, bis, etc. O importante - sempre, e para todos - é estar junto que quem amamos. Bem bonito e delicado.
Sessão dupla: Longe Dela, de Sarah Polley
4 - Mapa Para as Estrelas, de David Cronenberg
O melhor Cronemberg desde Spider, engraçado, irônico, virulento, sombrio e quase apocalíptico. Me parece que ele finalmente se encontrou depois de uma abandonar as agruras do corpo e se focar em exercícios de gênero bem recebidos, mas estranhamente contidos, como o quase-faroeste Marcas da Violência ou aquele gelado teatro filmado sobre Freud e Jung. Eu gosto muito de Cosmópolis, mas ele é quase um ensaio para esse filme novo, cheio de múltiplos pontos de vista sobre o porque desse mundo estar dando tão errado. Mapas Para Estrelas é o seu primeiro filme feito nos Estados Unidos, e ele ataca a indústria cinematográfica sem deixar prisioneiros.
Sessão Dupla: Rede de Intrigas, de Sidney Lumet.
3 - Foxcatcher, de Bennett Miller
Bennett Miller, um diretor muito melhor que a sua reputação, aprendeu uma ou duas coisas com Truman Capote ao fazer aquele filme sobre a reconstituição do escritor do assassinato de uma família do interior dos Estados Unidos. O que ele faz aqui não deixa de ser a mesma coisa, é reconstruir um crime a partir de todos os seus detalhes e das suas mentes doentes, com frieza clínica. Atores impossivelmente perfeitos, aliás, com o destaque para Mark Ruffalo, numa cena em que aparece a dar um depoimento para um documentário.
Sessão dupla: O Indomado, de Martin Ritt.
2 - Ponte dos Espiões, de Steven Spielberg
Os dois primeiros dessa lista são filmes gêmeos, praticamente. Em Ponte de Espiões, Spielberg parece promover a importância do diálogo para a manutenção da civilização e do pacto social que nos impede de explodir uns aos outros - algo que ele já havia começado a tratar em Caminho de Guerra e Lincoln. Os olhos spielbergueanos continuam excelentes para filmar de acidentes de aviões a cenas de tribunal, mas isso é apenas a superfície de um filme que busca no teatro e nos papéis de cada um uma metáfora para o convívio entre humanos.
Sessão Dupla: Da Terra Nascem os Homens, de William Wyler.
1 - Timbuktu, de Abdehrramane Sissako
Timbuktu, por sua vez, é um filme sobre a falta de diálogo e sobre o estrago que o fim da possibilidade de conversar provoca. Não há conversa com os radicais, não há razoabilidade, não há arte, não há vida nem diversão; sobram apenas radicalismos e fundamentalismos. O modo magistral de Sissako encenar a implosão dessa civilização faz de Timbuktu não apenas o filme-desastre do ano, mas o filme do ano tout-court.
Sessão dupla: Apocalypse Now, de Francis Ford Coppola.