sábado, dezembro 27, 2014

Os melhores de 2014

Bom, chegou a hora. Vale sempre a ressalva de que essa lista é baseada no circuito comercial de Salvador, e de que perdi muita coisa, ainda mais esse ano, por ter passado menos de 20 dias na cidade. Faltaram filmes importantes de diretores que queria ver (de estreias bombadas como Relatos Selvagens e O Abutre aos novos de Ferrara, Bonello, etc), mas, enfim, são as limitações que enfrento. Ainda assim, pude ver filmes muito bons, e, embora seja uma lista inferior aos anos anteriores, ainda acho que houve pontos muito altos.


Antes disso, os cinco filmes que quase chegaram ao top 10, sem nenhuma ordem em especial:


Uma Relação Delicada, de Catherine Breillat
Praia do Futuro, de Karim Aïnouz
Filha Distante, de Carlos Sorín
Balada Para um Homem Comum, de Ethan Coen e Joel Coen
Quando Eu Era Vivo, de Marco Dutra

Abaixo, o top 10, no qual cada filme é acompanhado de uma sugestão para sessão dupla, sugestão completamente pessoal, da minha cabeça. Cinema é continuum, claro, os filmes não se encerram neles mesmos. Enfim:


10 - Garota Exemplar, EUA, de David Fincher
Filme romântico de David Fincher, inspirado no suspense de Hitchcock e suas louras glaciais que renascem para acertar em Truffaut: o sexo como um thriller, o casamento como um sequestro, o amor como a Síndrome de Estocolmo.
Sessão dupla com: A Sereia do Mississipi, de François Truffaut

9 - Glória, Chile, de Sebastian Lélio
Biografia de uma mulher comum, andando em círculos a dançando sozinha numa idade na qual o número de segundas chances (no amor, no trabalho, na vida) diminui drasticamente. Um filme que adora a sua atriz a ponto de tê-la em absolutamente todos os seus frames, ela responde de volta com incrível entrega e energia. A intimidade é desconcertante.
Sessão dupla com: A Mulher sem Cabeça, de Lucrecia Martel.

8 - No Limite do Amanhã, EUA, de Doug Liman
Até que enfim um filme de ação! Integração muito inteligente da ideia de videogame no cinema, em outro ângulo - não interessa aqui ser o herói, achar que vai destruir tudo, e sim a exaustão das “vidas” infinitas, de ficar preso num estágio, e insistir até passar, aprendendo por tentativa e erro.
Sessão dupla com: Invasores de Corpos, de Philip Kaufman.

7 - Era Uma Vez em Nova York, EUA, de James Gray
Não é o melhor filme de James Gray, mas o seu talento operático para o melodrama continua notável, e o seu detalhismo estilizado, curiosamente, opera como uma forma de realismo, mesmo que interno. Parece over, mas não há uma nota falsa sequer nas suas emoções. Bônus: a fotografia do gênio iraniano Darius Khondji.
Sessão dupla com: Lanternas Vermelhas, de Zhang Yimou.


6 - Eles Voltam, Brasil, de Marcelo Lordello
Um filme muito delicado sobre intimidade, sobre registrar sentimentos bem de perto, em pequenas reações ao mundo: no intervalo de alguns dias, olhos abertos para todo o mundo, para estar só, sem os pais, para conhecer realidades diferentes, para se redescobrir em casa e se sentir estranho do mesmo jeito - enfim, para aprender a prestar atenção em tudo.
Sessão dupla com: O Espírito da Colmeia, de Victor Erice.


5 - 12 Anos de Escravidão, EUA, de Steve McQueen
Certamente uma escolha impopular na cinefilia, afinal o filme cometeu o pecado de ganhar o Óscar, mas me parece um avanço imenso em relação à pretensão enjoada de Shame e ao virtuosismo juvenil mas certamente impressionante de Hunger. No cinema, McQueen finalmente se descobre como narrador e faz um filme límpido e até um pouco despersonalizado, mas impecável no seu storytelling. Pense em diretores como Wyler e Stevens.
Sessão dupla com: Shane, de George Stevens.


4 - Sob a Pele, Inglaterra, de Jonathan Glazer
A viagem “de arte” do ano, filme hipnótico dos infernos, ou do espaço sideral, dono de um clima e uma atmosfera que lhe são exclusivas. Curiosamente, outro filme sobre a letalidade da mulher, que vira o jogo e manipula os homens com alguma facilidade.
Sessão dupla com: Desejo Profano, de Shohei Imamura


3 - Uma Família em Tóquio, Japão, de Yoji Yamada
Fica mais fácil se a gente esquecer que é um remake de Ozu, mas o filme tem força própria, e mais ainda se a gente esquece da sua fonte. Ozu era muito específico no seu tempo, fazendo filme sobre presente e passado. Atualizados para hoje, todos os personagens são “presente”, mas fica o que havia de universal não só no cinema do grande mestre, mas em toda uma tradição japonesa de cinema. É um filme humanista como nenhum outro neste ano.
Sessão Dupla com: Sonata de Tóquio, de Kiyoshi Kurosawa


2 - Vidas ao Vento, Japão, de Hayao Miyazaki
Um filme sobre a obsessão de ser artista, mesmo quando a arte aproxima o autor de pactos mefistotélicos. Criar, para um artista, é condição de existência - como sobreviver quando essa arte vira instrumento da barbárie?
Sessão dupla com: Pinceladas de Fogo, de Im-Kwon Taek


1 - Amar, Beber e Cantar, França, de Alain Resnais
Outro “último” filme, só que, à diferença de Miyazaki, com Resnais é irreversível, dada a sua morte três semanas após a estreia. Estava, no entanto, no topo da sua arte e desprendimento, fazia o que queria com o cinema: Aqui, são apenas atores a falar na frente de cenários artificiais, sem que isso, no entanto seja teatro, como parece: Resnais isola o cinema como arte visual, e isola o seu diferencial da pintura, a palavra. É um tipo de cinema quase puro, não fosse tão livre de se prender a qualquer projeto de depuração. Ele é isso, e pronto.
Sessão dupla com: O Mistério Picasso, de Henri-Georges Clouzot

Três atores:

1 - Oscar Isaac, Balada Para um Homem Comum
2 - Philip Seymour Hoffmann, O Homem Mais Procurado
3 - Alejandro Awada, Filha Distante

Três atrizes:

1 - Marion Cotillard, Era Uma Vez em Nova York
2 - Paulina García, Gloria
3 - Julia Louis-Dreyfus, À Procura do Amor

segunda-feira, julho 28, 2014

A Cidade dos Romances Inacabados

Obviamente sei que não tenho a verve para isso, mas já passou pela minha cabeça escrever um livro que resumisse esse meu tempo em Angola - até hoje, cinco anos, seis meses e quinze dias. No início essa ideia morreu porque achava que Luanda não era tão diferente assim; a normalidade encontrada dentro do até então desconhecido foi um abrigo seguro para que eu simplesmente relegasse as diferenças a segundo plano e esquecesse o digno de nota, ou sublimasse em drops breves de um blog hoje defunto.
Com o tempo, no entanto, sofri um processo retardado de descoberta: sou cada vez mais estrangeiro, mais alien aqui, mas necessitado de me adaptar a esse monte de coisa que tomei ligeiramente diferente para passar por cima sem pensar muito. Não é: Luanda é muito diferente, e se sou outra pessoa aos 28 do que era aos 23, a equação não se resolve apenas com a passagem natural do tempo, do fim da adolescência (tardia) para uma idade adulta consolidada. Não, eu ser o que sou tem ao menos 50% de influência de ter estado esses anos críticos da minha vida aqui, especificamente.
Como eu sei que jamais escreveria sobre isso (1 - tenho algum pânico da superexposição de quem escreve num nível desses, preferindo emitir imagens superficiais e despersonalizadas no instagram*; 2 - não tenho texto nem reflexão para ficar satisfeito com qualquer coisa que eventualmente escrevesse em forma longa), não passo dos títulos. E como a ideia é não ser pessoal demais, só penso nesses efeitos mais rasos.
O título que fica na minha cabeça é A Cidade dos Romances Inacabados, não pelas histórias de amor que já vi aqui, muitas vezes interrompidas por demissões, planos diferentes, etc, mas porque simplesmente foi aqui que eu parei de ler. Ao contrário do que o meu título faz parecer, não são os escritores daqui que não terminam as suas obras; sou eu, o leitor, que não chego até o fim, numa espécie de impotência literária.
Na adolescência, era leitor voraz, desde que quebrei o gelo com a coleção Abril Clássicos que meus pais compraram quando era pequeno, para que um dia viesse a me interessar. Na época de faculdade, chegava a ser negligente com aquela teoria toda apenas para ler o que queria. E não foram tampouco oito horas que viravam 12 na redação que diminuíram o meu fôlego.
Durante um tempo, até mantive um ritmo, por inércia, por exercício de normalidade, mas duvido que tenha lido bem o que passou pelos meus olhos. A razão foi diminuindo até que me peguei, desde o ano passado, deixando tudo pelo meio. A última vez que terminei um romance aqui, foi na terceira tentativa, e ele tinha pouco mais de 150 páginas: A Invenção de Morel, de Bioy Casares. Tenho nesse momento mais três interrompidos em diferentes graus de percurso: Nosso Homem em Havana, de Graham Greene, um dos meus escritores favoritos, super fácil de ler; Um Sonho Americano, de Norman Mailer, que esqueci propositadamente no Brasil - mas depois comprei o ebook, morrendo de culpa; e Respiração Artificial, de Ricardo Piglia, o tipo de labirinto argentino que minha cabeça simplesmente não parece ser capaz de decodificar nesse momento.
Num nível pessoal, de leve, a rotina aqui sempre é intensa, mas isso antes nunca me impediu de manter os meus hábitos literários. Percebo isso em outras pessoas também, embora haja aqueles heróis de sangue frio que viram devoradores de livros, verdadeiras traças.
Cá com os meus botões, tenho a impressão de que aqui eu me alijo propositadamente de atividades realizadas a sós. Expatriado numa cidade e local tão propensos ao isolamento dos seus condomínios, a tendência de defesa é criar uma vida social artificialmente agitada, é arrumar coisas pra fazer. Não dá pra dividir a literatura, pra fazer com outras pessoas, enfim, não dá pra fazer pertencer a uma ambiência na qual, em vez de socializar, há o objetivo claro de esquecer em grupo a distância de casa, da sua terra, dos seus.
O banzo talvez não seja assim diferente em Londres, Sydney, Nova York ou Buenos Aires, mas eu acho que sim: essa ausência específica de lugares públicos como parques ou ruas mais humanas e menos hostis, além da identificação racial imediata pra mim e pros outros de que sou ESTRANGEIRO, como se estivesse carimbado na minha testa, enfim, tudo isso acentua essa vontade de se defender da ideia de estar sozinho. E a literatura parece demais com solidão para parecer confortável.
Eu vou insistir, entretanto.
*De onde vem a ideia de que as pessoas se expõem demais no Instagram, ou nas fotos do Facebook? Acho que é o contrário: é uma maneira perfeita de interagir sem se expor de fato; é comunicação por imagem, telegráfica, e até os filtros acentuam o fato de aquilo não é o que se vê.

sábado, junho 28, 2014

Uma Família em Tóquio

O filme que eu mais queria ver esse ano era Uma família em Tóquio, de Yoji Yamada, um remake de Era Uma Vez em Tóquio, de Ozu, amplamente considerado um dos melhores filmes de todos os tempo. Há o fator mórbido da coisa, a coragem. Não se trata de algo "inspirado", como, sei lá, All That Jazz é inspirado em Oito e Meio, e sim uma refilmagem mesmo; como então alguém tem coragem de mexer num cânone cada vez mais forte? Consegue imaginar alguém tocando em Hiroshima Mon Amour, Cidadão Kane ou Viver a Vida? É mais ou menos a mesma coisa.
Pois bem, há esse fator, mas ele é mínimo. O que me interessa mesmo era ver como o cinema ultra específico de Ozu se presta a uma atualização, porque ele mesmo fazia e refazia os mesmos filmes, então isso não é exatamente um problema.
O que sempre me afetou profundamente em Ozu foi o modo como ele abria uma janela pro Japão. Os conflitos entre jovens e velhos nunca são apenas isso, e sim um retrato mais ou menos zen de um país que teve uma transição brutal, do feudalismo pro mundo contemporâneo em 80 anos, sem ter uma idade moderna, um iluminismo.
Vários cineastas trabalharam essa relação no Japão por meio do sobrenatural. Quando vimos, sei lá, Contos da Lua Vaga, de Mizoguchi, ou Kwaidan, de Masaki Kobayashi, fica meio claro que essa convivência entre os vivos e os mortos é uma consequência da brutalidade desse processo histórico, a ponto que mesmo depois do choque de realidade de duas bombas atômicas um país ainda consegue tirar das costas o peso de milênios de tradições.
Ozu, super realista e intimista, também tinha os seus fantasmas, mas eles eram os velhos. Toda a tensão entre geracional que é marcante na sua obra, especialmente depois de Pai e Filha reflete a dificuldade de desapegar do passado, de ter que viver mesmo assim. A morte dos velhos não é apenas essa morte, e sim o fim de um país, uma era, uma civilização. Daí o tempo ser tão inflexível, tão brutal. Ele arrasta tudo, e não tem volta. Essa é a condição existencial do cinema de Ozu, ele que morreu ainda jovem e colocou na sua lápide apenas um ideograma, o Mu, que significa "vazio".
O que sobre então para Yamada, uma vez que esses conflitos com o tempo, nesse corte específico, ao menos no cinema, foram apaziguados (os velhos de Yamada seriam talvez as crianças já modernas de Ozu, que deixavam de falar com o pai porque não tinham uma televisão em casa)?
Óbvio que o filme não tem nem de longe o punch do original, mas sobra muito, muito mesmo, especialmente uma tradição de, perdoem-me a simplificação, "melodrama oriental humanista" que pelo menos de cinco em cinco anos nos entrega (ao Ocidente?) obras realmente marcantes, de emoção sincera. Os planos baixos de Ozu estão todos lá, mas esse filme aqui é bem mais um parente de, digamos, Sonata de Tóquio, de Kiyoshi Kurosawa, do que qualquer filme que Ozu tenha feito.
Tô reclamando? Nem um pouco. Uma Família em Tóquio é um belo filme, muito mais se a gente esquecer de onde vem a inspiração, ou lidar bem com o fato de que essa inspiração é só uma questão de trama, algo bem superficial. No frigir dos ovos, é sim, uma das melhores coisas lançadas nos cinemas este ano.

segunda-feira, abril 07, 2014

Loznitsa/Coutinho

Por uma dessas coincidências, vi em semanas seguidas Um Dia na Vida de Eduardo Coutinho, e Bloqueio, do belarusso Sergei Loznitsa, dois exercícios estranhamente complementares de documentário-curadoria, tanto que não consigo dissociar um do outro. O filme de Coutinho é construído, sem nenhuma interferência senão a edição, a partir de recortes de televisão. Justapostos estes recortes, temos uma das coisas mais eloquentes sobre o Brasil que já vi numa tela. Já que "somos o que comemos", a gente é em grande parte fruto daquela televisão de quinta que nos servem a colheradas generosas. E não se trata aqui de pensar em termos de uma teoria da comunicação que anule a recepção - aquela televisão existe porque também é fruto de nós, o Brasil, num processo lógico de autoalimentação.

Em Bloqueio, Loznitsa reúne imagens fortes e muitas vezes inéditas do cotidiano do cerco a Leningrado. Tais imagens não tinham som: tudo o que ouvimos na tela foi criado após engenhoso processo de sonoplastia. O troço é forte, mas as imagens reais, em austero preto e branco, com corpos surgindo aqui e ali cada vez mais durante a duração do filme, me parecem estranhamente ficcionalizadas, como se estivesse vendo uma história de ficção baseada em fatos reais, sem personagens, ou a história de uma personagem só, a cidade.

Mais ainda: embora haja uma lógica narrativa na edição, quase sempre construindo esquetes e acumulando horror até uma série de enforcamentos, a impressão que dá é que temos uma impecável coleção de imagens de cobertura para uma ficção que está acontecendo ali, em algum lugar, nos rostos que o filme nunca mostra de perto. Pode ser um dualismo grosseiro, mas há tanta verdade nos rostos contadores de mentira de Coutinho!

Talvez o que prejudique o filme de Loznitsa, a despeito da imensa admiração do seu triunfo técnico, seja a carga histórica que o cinema russo/soviético/europeu-do-leste tem da Segunda Guerra, e de guerras em geral. Estranhamente, suas imagens sonorizadas empalidecem imediatamente diante da memória não apenas de clássicos como A Infância de Ivan, Quando Voam as Cegonhas, Vá e Veja e A Ascensão (os quatro melhores filmes de guerra já feitos), mas dos próprios filmes de ficção que o mesmo Loznitsa fez a seguir.

Eu não gostei muito de Minha Felicidade, uma versão eurasiana do miserabilismo pornográfico de Alejandro González Inãrritu, mas Na Neblina me pareceu um filme muito bem medido sobre morte, ética, violência, essas coisas graves com que as pessoas se defrontam quando estão perto de um front. Daí a insatisfação e a necessidade de Bloqueio: o diretor fez inúmeros outros trabalhos de documentário antes e depois, mas vendo suas imagens perfeitamente sonorizadas mas incompletas no todo, percebo que a ficção era mesmo fundamental a esse documentarista. Bloqueio parece precipitar esse passo.

segunda-feira, fevereiro 24, 2014

Oscar 2014

E esse Oscar, hein?

Pra mim há apenas um grande filme, o melhor disparado com vários corpos de vantagem, que é 12 Anos de Escravidão. A gente fica com o pé atrás, filme de artista plástico, cheio de vícios, mas ele entrega um conto super clássico, duro e respeitoso sobre um tema que Hollywood sempre jogou pra debaixo do tapete. Depois de Shame, a última coisa que eu esperaria de um filme de Steve McQueen é que me lembrasse Clint Eastwood.

Eu até gosto de Gravidade, o incrível filme que encolheu, mas ser favorito a categorias como direção me parece um disparate. Me irrita mais ainda essa xaropada do filme querer ser profundo (filha morta no passado, metáforas espirituais) e não uma maravilhosa corrida maluca no espaço. Trapaça é o contrário, até cresceu na cabeça. Todas as críticas que lhe fazem me soam como elogios: caótico, derivativo, desarticulado.

Não sou o maior fã de O Lobo de Wall Street. No fundo, não é David O. Russell que imita Scorsese, e sim ele mesmo que dilui o estilo de seus grandes clássicos. Quando decanta, só sobra histeria. Que final ruim, além disso... Capitão Phillips é tenso, Tom Hanks está incrível, mas nunca me senti confortável com o filme. Só revendo pra saber se estou mesmo diante de um filme filho da puta ou não. Agora fico em cima do muro.

Nebraska não é tão ruim, é só aquela sensibilidade meio infantil de Alexander Payne, que sempre quer falar de coisas que vão além da sua capacidade. Ainda não me recuperei daquela cena de Os Descendentes em que uma garota (e o roteiro) fazem piadas tolas na presença de uma pessoa morrendo num leito de hospital. Esse aqui é quase igual, só que  com June Squibb sequestrando o filme no papel da idosa desbocada...

Daí pra baixo é puro terror. Philomena é praticamente um telefilme, apesar de Judi Dench. Não estaria deslocado no Você Decide, da Globo. Clube de Compras Dallas é a lição de moral do ano, a transformação cinematográfica do homófobo em tolerante por meio da AIDS. Céus.

Por fim, o pior de todos pra mim é Her/Ela, um filme inacreditavelmente nulo fotografado com um filtro do Instagram sobre "a solidão da modernidade". Bullshit, é só autopiedade indie (mas quem mandou ser misantropo?) com incrível decoração de interiores. A melhor personagem é a ex-mulher, que fala umas verdades pro Joaquin Phoenix e é muito mais interessante do que esse banana solitário. O filme nem dá a ela cinco minutos, claro.

Melhor ator: Chiwetel Ejiofor
Melhor atriz: Cate Blanchett
Melhor ator coadjuvante: Michael Fassbender
Melhor atriz coadjuvante: Jennifer Lawrence

Por fim, puta que pariu, como raios Inside Llewyn Davis não entrou nesse bolo? É Irmãos Coen em grande forma em um mais daqueles massacres de personagem que, enfim, não parece regido por dois cineastas brincando de vudu com seu protagonista, mas por um lógica bem particular da vida e do acaso, que às vezes simplesmente insiste em não colaborar. FILMAÇO.

quarta-feira, janeiro 01, 2014

TOP 10 2013

Vamos lá, meus melhores filmes de 2013. Mas antes dos filmes, dez atuações incríveis:

1 – Thure Lindhart, Deixe a Luz Acesa
2 – Denzel Washington, O Voo
3 - Joaquin Phoenix, O Mestre
4 - Philip Seymour Hoffman, O Mestre
5 – Domhnall Gleeson, Questão de Tempo

1 – Juliette Binoche, Camille Claudel 1915
2 – Rachel Weisz, Amor Profundo
3 – Cate Blanchett, Blue Jasmine
4 – Marion Cotillard, Ferrugem e Osso
5 – Nina Hoss, Barbara

Cinco filmes que quase chegaram no TOP 10:

O Mestre, EUA, de Paul Thomas Anderson
O Som Ao Redor, Brasil, de Kléber Mendonça Filho
Amor Pleno, EUA, de Terrence Malick
A Visitante Francesa, Coreia do Sul, de Hong Sang-soo
Django Livre, EUA, de Quentin Tarantino

Agora o TOP 10:

10 - A Viagem, EUA, de Tom Twyker, Andy Wachowski e Lana Wachowski - Taí um filme fantástico de verdade, alegremente delirante em sua trama multitempos e alma B, com herança forte daquele cinema dos anos 50 que tinha coragem de colocar John Wayne vestido de Gengis Khan, essas coisas. Uma joia de matinê de ficção científica, especialmente porque troca essa gravidade típica da geração Christopher Nolan por uma moral que é ao mesmo tempo adoravelmente ingênua (reencanações, etc) e estimulante (a sobrevivência da arte, a celebração das narrativas).

9 - Azul é a Cor Mais Quente, França, de Abdellatif Kekiche - Uma câmera, um rosto, um corpo e toda a paixão do mundo. Tanta fome de viver, de amar, de ser jovem, tudo registrado com incrível intimidade, como se a menina Adéle não coubesse na tela, como se a vida fosse sempre muito maior como o cinema, e não o contrário.

8 - Vocês Não Viram Nada, França, de Alain Resnais - Outro filme-artifício de Resnais, dessa vez celebrando o público. É preciso plateia para que os filmes ocorram, terminem, sejam concluídos, e cada vez que a história passa pro lado de cá da fruição, somos também atores reconstruindo dramas, sempre em várias diversões. Perfeito que Resnais celebre essa relação colocando sua stock company no papel da audiência, reinterpretando o que assistem.

7 - Bling Ring - A Gangue de Hollywood, EUA, de Sofia Coppola - Enfim a menina Coppola para de olhar para o próprio umbigo. Continuando no mesmo universo (gente rica, showbusiness), pela primeira vez ela se permite trazer ao primeiro plano uma fina ironia, um sarcasmo discreto, perfeitamente equilibrado com sua capacidade de filmar gente jovem bem de perto. O filme tá a um passo da misantropia, mas mantém-se nessa linha delicada entre ser distante e compassivo. Excelente cinema, aliás: seco, limpo, depurado.

6 - Hahaha, Coreia do Sul, de Hong Sang-soo - O primeiro dos filmes do diretor a entrar em cartaz comercialmente no Brasil é uma ótima síntese de suas principais qualidades: um gosto empolgante sobre o ato de contar histórias de diversas maneiras, uma graça de filmar gente desorientada mas capaz de beber e rir de suas desgraças - mas também chorar - e a leveza rohmeriana de transformar tudo isso em filme, num ritmo da vida.

5 - Barbara, Alemanha, de Christian Petzold - Rigoroso conto de sobrevivência na época da Guerra Fria na Alemanha Oriental, precisamente ajustado para a escala humana de quem tenta viver uma vida normal enquanto esconde seus mistérios e tenta escapar de sua realidade. Suspense gélido e belo retrato de mulher.

4 - A Hora Mais Escura, EUA, de Kathryn Bigelow - Grande filme de ação e obsessão sobre a caçadora de Bin Laden. Um filme que olha bem de perto o quanto se pode ser abusivo quando se perde a humanidade e, ao mesmo tempo, como esse esvaziamento pessoal serve de combustível para a conquista de um objetivo. O desmoronamento dessa mulher-máquina-motherfucker é pra não esquecer. O que resta à sua vida depois do assassinato orquestrado de seu alvo?

3 - A Filha de Ninguém, Coreia do Sul, de Hong Sang-Soo - É o mesmo Hong de sempre, só que bem mais pessimista e sombrio, com personagens mais próximos do desespero e dos becos sem saída típicos de fim de relacionamento. Poucas vezes a sensação de solidão doeu tanto no cinema recente.

2 - Amor Profundo, Inglaterra, de Terence Davies – Maravilhoso filme sobre a paixão como meio de destruição, e, ao mesmo tempo, como meio de se manter vivo contra a infelicidade permanente. Com um classicismo perdido em algum lugar dos anos 50 e o melhor plano do ano – aquele giro sobre a cama numa cena de sexo e prostração – Davies traz à vida todo um sentimento do cinema inglês do pós-guerra, de um melodrama sobre pessoas incapazes de fazer o amor dar certo, algo entre Desencanto, de David Lean, e Pelo Amor de Meu Amor, de Edward Dmytryk. Intoxicante.

1 – Tabu, Portugal, de Miguel Gomes – Perfeito exemplar de um romantismo bem típico do cinema português, de Odete a O Estranho Caso de Angélica, ancorado num tratamento com gosto de antiguidade, algo que aqui se manifesta por uma homenagem à sensibilidade do cinema mudo e pela memória de uma colônia africana do ponto de vista dos colonos. Em Portugal é assim: parece que em cada filme cabe toda a História de uma nação.