domingo, dezembro 28, 2008

De volta

Enfim, Salvador, depois de dez dias a passeio em São Paulo e no Rio. Em Sampa, fui duas vezes ao cinema, e só. Gomorra, bom panorama italiano da atuação da Camorra napolitana. Cenas brutais, violência inesperada, mas cheia de uma secura que não há nas versões mais americanizadas e talvez pop dos filmes de máfia. Ainda assim, um pouco superestimado.



Um Conto de Natal é outra jóia do francês Arnaud Desplechin, que há quatro anos entregou um dos filmes da década, top 5. O novo longa não é tão forte quanto Reis e Rainha, mas traz de volta a humanidade contagiante característica às obras do cineasta - são duas horas e meia de "gente", com todas as suas complexidades, méritos, defeitos e cinzas. Catherine Deneuve tem um grande papel, e Mathieu Amalric continua sendo o melhor ator do mundo.

terça-feira, dezembro 16, 2008

Panteão

Procurando Nemo na Tela Quente. Caramba - lembro de ter amado esse filme não apenas por sua esplêndida maquinaria, mas pela inteligência com que recicla a velha história da carochinha do resgate do ente querido. Há tantas idéias maravilhosas passando por essa trama básica, que fica fácil entender as lágrimas da mulher entrevistada por Eduardo Coutinho em Jogo de Cena: "Esse filme tem tudo; é a vida".



Salve quem puder (a vida)

Nemo sempre foi meu filme da Pixar preferido, mas hoje não tenho mais tanta certeza. Será que gosto mais dessa execução genial de uma velha história ou do arrojo narrativo de Wall-E, e seus 40 minutos de silêncio? Ou de Ratatouille, um longa que tem profundidade rara não apenas para desenhos, para todos os filmes? Difícil dizer, mas o fato é que a Pixar sempre encaixa um filme na lista de melhores do ano. No meu panteão pessoal, o lançamento mais recente do estúdio não alcança o topo, mas está firme no top 10.

Por falar nisso, outra escolha obrigatória é Canções de Amor, o musical sobre a velocidade das paixões de Christophe Honoré, finalmente em cartaz na cidade, no Cinema da UFBa. O troço tem uma força sobre-humana, os sentimentos afloram no ímpeto de quem tem o coração aberto, e só a música para dar conta de tanta emoção. Lindo, maravilhoso filme, e uma curiosa expansão dos limites sexuais da nouvelle vague, movimento cinematográfico de que é herdeiro e refundador.

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Ando vendo algumas coisas que perdi para melhor compor essa lista. Já descartados estão A Família Savage e Não Estou Lá. O primeiro é um desses produtos que servem para medir a ambição de humanidade do cinema americano independente: não resiste a qualquer cena de um filme argentino médio. Ser sincero só depõe contra o filme, porque dá noção exata da mediocridade da diretora Tamara Jenkins.

Mas não é mau: Laura Linney e Philip Seymour Hoffman estão excelentes como de hábito e o filme nos poupa dos diálogos espertos, sarcásticos e artificiais que tanto me afligem em bobagens como Juno... No entanto, fica bem longe do melhor filme do estilo produzido nesta década, também estrelado por Laura Linney: em DVD, Conte Comigo, de Kenneth Lonergan, precisa ser descoberto.



Conte Comigo, pérola perdida

Quanto a Não Estou Lá, primeiro filme de Todd Haynes desde seu excelente Longe do Paraíso, vale dizer que não tenho a menor idéia do porquê ele não funciona (e dá sono). O filme pede revisão, até mesmo para provar que estou errado. Mas, por enquanto, fora da lista. Depois falo mais sobre essa revisão, com algumas palavras para Angel, o ótimo último Ozon.

sábado, dezembro 13, 2008

Fim de caso

Morreu Van Johnson, aos 92 anos. Não tenho memória afetiva nenhuma dele, a não ser pelo fato de ele interpretou Maurice Bendrix, o personagem supremo de Graham Greene, na primeira versão para o cinema de The End of The Affair (ou Pelo Amor de Meu Amor, no Brasil), dirigida por Edward Dmytryk. A refilmagem de 1999 é amplamente aclamada, ainda mais por ter sido comandada por Neil Jordan, cineasta altamente capaz - fez Entrevista Com O Vampiro e Traídos Pelo Desejo.



Johnson e Kerr, Maurice e Sarah

Gosto desse filme, mas prefiro o original, cuja pudicícia é muito mais greeniana que a sensualidade escaldante do remake. Julianne Moore é emotiva e expressiva, mas como superar a sutileza contida e contrita de Deborah Kerr, vivendo a ultra-atormentada Sarah Miles? Perto dela o Bendrix de Johnson pode se apagar um pouco, mas registra bem. Aliás, Johnson está em outro filme de que gosto muito, A Lenda dos Beijos Perdidos, de Vincente Minnelli, mas é eclipsado por Gene Kelly em sua melhor atuação.

sexta-feira, dezembro 12, 2008

Para atar as pontas da vida

Eu estava deixando Capitu de lado por aqui, porque sai um textinho meu no domingo, na Revista da TV, sobre essa coisa acachapante e destruidora que a Globo tá pondo no ar essa semana, mas não dá pra ficar calado.

Sou fã de Luiz Fernando Carvalho desde guri, quando me impressionei terrivelmente com aquele último capítulo de Renascer, o circo na cidade com a montagem paralela da morte de José Inocêncio. No início dessa década fez uma adaptação linda e viscontiana de Os Maias, cheia de momentos inesquecíveis, como a bem-me-quer/mal-me-quer no bosque - Ana Paula Arósio de cabelos tingidos, mas perfeita dentro de descrição de Eça, portadora de beleza láctea das louras.

No cinema, fez o melhor filme brasileiro da década e da retomada, Lavoura Arcaica - não canso de repetir Reichenbach: Lavoura é excessivo e imperfeito como toda obra-prima. O filme era uma experiência brutal, épica, três horas de assombro sensorial (a imagem tem cheiro, textura, o som explode nos ouvidos) de um diretor teatral, artificial, metafórico.



As Capitus de Luiz Fernando Carvalho

Depois disso, Hoje é Dia de Maria continuava o padrão de brilhantismo, mas a segunda parte já trazia o fantasma do entulhamento. Por vezes, ali, o excesso deixava de ser poético e quase fazia a série quebrar com o próprio peso. Veio A Pedra do Reino e o negócio descambou pra loucura irritante, embora ache que talvez goste desse radicalismo daqui a algum tempo.

Temos, enfim, Capitu, adaptação de Machado que eu jurava que daria errado, pela profanação do original pela teatralidade. Ledo e grave engano. O cara se afasta em tom do escritor e perde a responsabilidade de lhe ser fiel. Embora ainda o seja no diálogo, sua encenação onírica, operística, reconstrói o romance de maneira totalmente nova.

Carvalho cravou a perfeição desde que Capitu risca uma linha no chão para Bentinho andar, e não deixou cair a bola. Ele pode ser acusado de vencer pela catarse (como se isso fosse negativo), mas seu tratamento tangencial de Machado só o ajuda a permancer na história. Fez uma adaptação reinterpretativa, com assinatura própria, capaz de marcar as próprias impressões no espectador, em vez de fazer imagens-apoio para a lembrança do livro. Um show absoluto, inacreditável. Bravo.

domingo, dezembro 07, 2008

De coração

Romance, de Guel Arraes, vive travado pelo conflito autoral entre as preocupações do diretor e o estilo do co-roteirista, Jorge Furtado. Enquanto o filme mostra sincero interesse na relação entre artistas, entretenimento e formas de arte/mídia (cinema, teatro, tv), há um nervosismo de estrutura que faz com que esse interesse seja deixado em segundo plano em relação ao artifício.

O que vale é o truque, a metalinguagem, os jogos de espelhos entre a realidade e a atuação, independentemente do assunto que está na tela: o filme acaba sendo genérico em seu gosto pelo contorcionismo narrativo, e poderia se passar em qualquer outro universo, que não o dos atores. O truque, claro, é contribuição de Furtado, brilhante em curtas como Ilha das Flores e Barbosa, muito bom em O Homem Que Copiava e um pouco menos em Meu Tio Matou um Cara.

A obsessão de Furtado pela exploração das camadas narrativas do texto tomam conta do filme de modo que a direção competente de Arraes torna-se, na maioria dos casos, apenas ilustrativa. O filme já estava todo decidido na janela do Word.

Essas trucagens, aliás, são realizadas de maneira simpática e fluida, com correção. No entanto, só isso não é suficiente para espantar os fastasmas de filmes muito superiores, tanto sobre atores (Noite de Estréia, de Cassavetes - citar esse aí chega a ser apelação), quanto sobre texto e metalinguagem (Shakespeare Apaixonado, maravilhoso, muito mais que qualquer Charlie Kaufman). Enfim, o Arraes anterior, Lisbela e o Prisioneiro, era bem melhor e mais bem resolvido.

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Estou em metade de O Coração É Um Caçador Solitário, de Carson McCullers, livro infinitamente delicado e melancólico da precoce escritora americana, que se saiu com uma obra dessas aos 22 anos. A tradução faz certo esforço para traduzir a fala dos negros com erros de português plantados de forma meio brusca, mas não tira o sabor nem o clima triste desse livro influente.

Capote, contemporâneo, bebeu forte aqui, e na capacidade que Carson tinha de criar poesia a partir do nada, com muito lirismo. A influência vai parar em outra amiga de Capote, Harper Lee, que emulou esse ambiente sulista filtrada pelo olhar infantil da mesma maneira no seu magnífico O Sol é Para Todos.

sábado, dezembro 06, 2008

I heart piauí

Não começava a leitura de uma piauí desde a edição de abril - sabe como é, o tempo vai embora, ainda mais quando você insiste em trabalhar mais do que deve (tudo bem, nenhum problema em ser workaholic). Nas brechas do dia, preferi não abandonar os filmes e os livros, e as revistas começaram a acumular na estante de ferro do meu quarto. Nesse ínterim, não comprei duas edições, mas ontem decidi romper minha cronologia no atraso (sempre lia na ordem, mesmo três ou quatro meses depois, como de hábito) e comecei a edição de dezembro.

Não sei se temops diferenças de padrão, mas só por ler Chegada e Esquina novamente, entendo menos ainda por que Tiago A. cancelou a assinatura dele. Tiago parece esperar que todos os textos tenham a dimensão e o poder de João Moreira Salles, e eu acabei entrando nessa discussão de maneira equivocada, defendendo que toda edição tinha um texto daquele.

Provavelmente não tinha - não li o texto específico de que Tiago fala, O Caseiro -, mas a questão não é essa: piauí tem uma base de qualidade, humor e charme que é absolutamente inquebrantável. Meus 45 minutos perdidos lendo as duas primeiras seções foram puro prazer, de uma forma pequena, diria até delicada.

Os textos não precisam ser os épicos de Salles para ter sua leitura justificada. Recusar tudo isso que piauí oferece o tempo todo e em grande profusão talvez seja um erro de julgamento. Não acho que seja leniente, mas ali não tem texto ruim. Mal posso esperar para chegar ao Diário, que sempre, sempre mesmo, gosto muito.

Não acho que esteja sendo leniente. Ao contrário: não aguento ler a maioria das outras coisas com ambições semelhantes, que tentar criar um verniz de qualidade a partir do puro e absoltuto nada. Comprei uma edições da Rolling Stone brasileira e da Trip, e o que posso dizer de bom sobre elas é que o papel é ok. Na internet, então... Gosto de blogs (quando não têm aquela vontade doentia de aparecer, de soar implicante ou irônico, ou quando não são de esquerda), mas não acho ainda o texto que gosto de ler.

Nessas seções pequenas (que levam quase meia edição), piauí sempre honra o estilo da crônica com louvor, e me faz lamentar pelo fato de um Otto Lara Resende não estar mais vivo. É muito difícil escrever desse jeito, e bom, mesmo com textos anônimos, só essas coisas pequenas justicam a assinatura de piauí, ao menos para mim. Isso, claro, sem falar em seus textões - nem todos são JMS, mas quais são realmente ruins, ou provocam sensação de perda de tempo. Repito: leio sempre com prazer.

sexta-feira, dezembro 05, 2008

Comédia possível

Queime Depois de Ler, dos irmãos Coen, é a prova de que ainda se pode fazer comédia no mundo, mesmo que a maioria dos outros filmes que se aventuram no gênero tente nos dizer o contrário. O filme novo é a volta da supresa, do espanto e do assombro. Não há limites para a loucura dos Coen e seu humor completamente desconcertante: melhor não rir e ficar levantando as sobrancelhas, estupefato, enquanto a ficha não cai. Acaba que o filme fica na cabeça, porque rimos depois. (O riso na hora, se vier, é de nervoso) Na maioria dos outros filmes, há a gargalhada sem graça e freqüente de piadas previsíveis, mas a evaporação vem antes mesmo do fim dos créditos.