sexta-feira, agosto 31, 2007

Reparação para McEwan

Mencionei há dois posts a vontade de falar sobre Reparação, adaptação dirigida por Joe Wright a partir do romance de Ian McEwan. O filme abriu o Festival de Veneza. Luiz Zanin cobre o evento para o Estadão, e a primeira impressão revela justamente o que eu temia: adocicaram o livro.

O original foi publicado pelo autor inglês em 2001. A partir da história de um falso testemunho, o livro se desdobra em três outras partes, em diferentes tempos. Cada uma revela um pouco das conseqüências que o ato criminoso teve na vida das vítimas, e principalmente do culpado – no caso, uma garota no início da adolescência, com ímpetos de escritora mas totalmente despreparada para a vida real que lhe é atirada na cara. Num arco de 50 anos, aproximadamente, temos um livro discreto e dilacerante sobre raiva, culpa,e sobre a arte com tentativa de remissão dos pecados.

Desde que vi o primeiro trailer, fiquei assustado: resolveram fazer um filme sobre amor e guerra, romance impossível sobre amantes separados pelo destino! Pode ser que funcione, mas ver os lábios de Keira Knightley em close com música alta de fundo, dizendo “Come back to me!”, só me faz pensar em diminuição de ambições artísticas. Mas, vá lá, McEwan assinou como produtor do filme... Parece que vai se chamar “Desejo e Reparação” por aqui.

Isso me lembra, rapidinho, outra história. O primeiro filme do diretor é uma adapatação diluída mas competente de Jane Austen, do bom e velho Orgulho e Preconceito. Ele fez dois finais: um autoral, belo e discreto, adequadamente britânico, um close de Donald Sutherland; outro americano, um beijo caliente dentro de um rio, acho. Perguntaram para Wright: “Por quê?”. Ele respondeu: “Os americanos sempre precisam de açúcar no champagne”. Esse “Desejo” que foi enxertado no título nacional me faz pensar a mesma coisa – sobre brasileiros.

quinta-feira, agosto 30, 2007

Grande momento

Não é falta do que dizer. É tempo mal administrado. Tenho um texto pelo meio, alguns comentários querendo sair (Reparação em Veneza, com marketagem melodramática e oscarizável), mas deixo aqui um grande momento do esporte. Tanto tempo, não lembro se vi isso na época, ou em reprise, quando NBA passava na Band - comentários e/ou narração do grande Álvaro José. Fica a versão original, com a frase clássica: "John Stockton takes the Utah Jazz to the finals!" [É assim, não?]

segunda-feira, agosto 27, 2007

Volta

Perdoa. Esse blog tá tão chato que está virou aquilo que tem cara de blog e não é: aquelas colunas publicadas toda semana em jornais. Não há nada específico da internet no que tenho publicado aqui. Essas críticas longas... vejo no blog e me entedio – mas elas ficam bem melhor nos sites originais. E estão mais ou menos boas. Estou melhorando. Mas quero ser melhor blogueiro. Próximo post, então.

terça-feira, agosto 21, 2007

Pornochanchada Globo Filmes

No Festival de Gramado no ano passado, o crítico pernambucano Kléber Mendonça Filho perguntou ao diretor estreante Marcelo Santiago o que achava de exibir o filme recém-lançado (“Sonhos e desejos”, com Mel Lisboa e Felipe Camargo) no rádio. É uma boa pergunta, e cabe perfeitamente a “Primo Basílio” (Brasil, 2007) . Esse produto Globo Filmes tem imagens tão indigentes e encenação tão rasteira que chega a ser ofensa chamá-lo de TV. Passaria muito bem numa radionovela AM, afinal, só importam aqui os diálogos caricatos e a trilha com cara de sonoplastia.

Daniel Filho, diretor que manifestou desgosto pela transposição de material direto da TV para o cinema (“Os normais”, “Antonia”, “O auto da compadecida”) filma o mesmo Eça de Queiroz adaptado pela Globo há quase 20 anos, em tom aparentemente distinto. A história de tédio, adultério e chantagem portuguesa no século 19 cruzou o Atlântico para São Paulo, 1958. Visão original, portanto, mas nada adianta não fazer o mesmo produto da televisão, quando o que se faz no cinema tem não somente tratamento da imagem displicente, mas também alma de TV (ruim): conflitos aplainados, diálogos falsos, personagens de papelão.

Desde os primeiros minutos, Daniel Filho pisa no acelerador com sua novela do SBT/radionovela. A produção de época é barata, figurinos provavelmente requentados de alguma minissérie e aquelas referências históricas que chegam com sutileza elefantina e impostação teatralíssima: “Fui ao casamento da Grace Kelly”, ou “Brasília é um delírio de JK!”. Já bem disse o editor de Nacocó Diego Damasceno, os personagens entram em cena parecendo estar segurando plaquinhas explicativas sobre a época, como num Telecurso 2000 História.

Essa estrutura chata e inofensiva ganha um pouco de pimenta quando o diretor começa a explicitar, infelizmente, sua paixão por Nelson Rodrigues, principal causa para a mudança da história para os anos 50. Chega a surpreender ver Simone Spoladore, vestida de vermelho, com batom vermelho berrante e fumando muito, dizer em uma de suas primeiras falas algo do tipo: “Não gosto de homem que tem nojo de xoxota!”.

A partir daí, o tom de pornochanchada seqüestra temporariamente o filme, durante o envolvimento de Luísa (Débora Falabella) e Basílio (Fábio Assunção). É engraçado ver, com esses cenários de época, vitrola e telefone de disco, Basílio conquistar a prima com um agá barato e mal escrito rumo a uns 10 ou 15 minutos de sexo — desde já, um dos momentos mais constrangedores dessa geração Globo Filmes.

O sexo constrange não por pudicícia, mas por parecer uma caricatura de comercial de motel, que certamente são mais elegantes. Vejamos. Câmera desce da cara de mau de Fábio Assunção até a cintura, ele desata o cinto. Débora Falabella geme, se encolhe na cama, ele puxa a coberta e se deita sobre ela. A tela passa a escurecer no ritmo da respiração: close no seio de Débora, fade, bunda de Assunção, fade, boca de Débora.

E tem o fecho, a câmera girando em volta da cama enquanto o casal se pega, quase um efeito Matrix — os últimos filmes que tiveram a coragem de usar isso, pelo que me lembro, foram os da série “Emanuelle — A nova geração”. Tudo isso, claro, com música bem alta de Guto Graça Mello, algo entre Kenny G e George Michael.

O filme tem mais um cena de sexo, não tão forte, mas igualmente surpreendente pela grosseria: Jorge (Reynaldo Gianecchini, terrível, corno com cara de bobo), fica por baixo de Luísa, e enquanto a mulher o cavalga, ele solta a pérola: “Que bom te ver tão solta hoje à noite!”.

Pena que “Primo Basílio” não seja comédia, e tanto não é, que a novela do SBT retoma o controle com a trama de chantagem que deveria garantir a tensão do último ato: Juliana, a empregada megera na pele de Glória Pires, rouba as cartas do casal de amantes e ameaça a patroa. O filme segue então em piloto-automático rumo ao mesmo desfecho da trama original. Há ainda algumas levantadas de sobrancelha: Guilherme Fontes dando as caras e salvando o dia, os letreiros manuscritos de “paixão”, “amor”, “sexo” que invadem a tela quando Jorge descobre que é traído (grande cena de Tony Ramos na minissérie), e a música de Graça Melo em versão suspense.

No final, a impressão apocalíptica de que estava tudo errado, desde o que já se podia esperar de Daniel Filho, até tragédias menos óbvias, como a atuação de Débora Falabella, histérica, banal, longe da “beleza láctea das louras” de Eça.

Invocar Nelson Rodrigues pode ser coerente (Daniel Filho fez muito bem “A vida como ela é” na TV), mas não deixa de ser um insulto transformar tanto o dramaturgo brasileiro quanto o escritor português nessa mistura de melodrama e pornochanchada sem qualquer vestígio de complexidade. Infelizmente, o padrão de comparação fica mesmo com o velho “O amante de Lady Chatterley”, de 1981, em que a obra-prima de D.H. Lawrence virou um softcore com Sylvia Kristel. Pelo menos o sexo não cabe no rádio.

terça-feira, agosto 14, 2007

Descontrole Emocional

Há algo suspeito em um filme que tenta arrancar lágrimas do público com menos de cinco minutos de projeção. Antes dos créditos de “Depois do casamento” (Efter brylluppet, 2006, Dinamarca e Suécia), a diretora Susanne Bier já põe o personagem principal num dilema. Ativista na Índia, deve voltar para a Dinamarca para negociar patrocínio para um projeto social que comanda. Com câmera na mão, vem aquela imagem de garotos indianos adoráveis em ruas sujas, o protagonista já com saudades de seu exílio voluntário, fumando com olhar perdido. Sobe som, com world music.

A primeira impressão só é equivocada em relação aos fins. “Depois do casamento” não sofre da síndrome de espanto globalizado que aflige Alejandro Gonzalez Iñarritu, mas o tom da narrativa é igualmente pouco sutil. Assim que a ação é movida para a Dinamarca, o filme entra na trilha do mais banal dos melodramas familiares, com alguma gritaria e “segredos do passado”. Nem o visual com resquícios do Dogma 95 consegue disfarçar.

O centro da intriga é Jacob (Mads Mikklesen). Com andamento de novela das oito, ele rapidamente descobre que, por uma coincidência dos demônios, a mulher que amou no passado está casada com o empresário que vai financiar o tal projeto na Índia. No casamento da filha do casal, uma revelação no discurso: Jorgen, o grosseiro self-made man, não é o pai da noiva, mas há mais de 20 anos acolheu Helene, grávida desamparada de um homem supostamente morto. Basta uma troca de olhares, e pronto, Jacob descobre que tem uma filha.

No desenvolvimento do roteiro, Susanne Bier provavelmente tinha consciência do tom rocambolesco dessa trama, resolvida antes da primeira hora. A justificação do absurdo vem em forma de uma segunda reviravolta, com mais gritos, acertos de contas e lágrimas histéricas. Quanto mais a diretora-roteirista cava, mais se enterra. Isso chega ao ponto de que, para fragilizar um dos personagens e conseguir um pouco mais de tensão do público, Susanne aplica um golpe baixo e inesperado em uma das criações mais certinhas do roteiro — não cabe dizer aqui do se trata, mas envolve um chororô de madrugada num quarto de hotel.

Contra essa dramaturgia claudicante, “Depois do casamento” só tem a favor os atores, completamente aplicados em seqüestrar o filme da diretora e torná-lo um pouco mais digno. Os nomes são difíceis, mas os rostos ficam na cabeça: Sidse Babett Knudsen é Helene, dura, autoritária e determinada a não pôr a perder o amor conquistado; Stine Fischer Christensen é Anna, a filha delicada, incapaz de administrar as provações que a vida (e o roteiro) lhe infligem; Rolf Lassgard é Jorgen, o pai expansivo, controlador e bonachão.

Ainda assim, o ponto mais forte do elenco é mesmo o Mads Mikkelsen, o protagonista. Ao contrário dos colegas de filme, opta por um trabalho discreto e contemplativo, e consegue miraculosamente driblar a trilha sonora para momentos de comoção genuína. Ajuda também a sua cara estranha, meio cubista, angulosa. Mikkelsen já usou esse tipo para ganhar dinheiro no papel de vilão do último James Bond; nesse “Depois do casamento”, a face de quebra-cabeça garante um enigma constante no ar, e faz o personagem ficar mais interessante do que devia ser no roteiro.

De qualquer jeito, não tem elenco que segure um filme tão determinado a extrapolar. Enquanto os atores ou a imagem crua insinuam complexidade de sentimentos, o núcleo é inegavelmente oco. Em “Brothers”, estréia de Susanne Bier em longas, há o mesmo problema: a busca de honestidade nas relações humanas versus roteiro pobre e direção sem controle. Nessa segunda empreitada, não há muita evolução: Susanne continua vendendo emoções a preço de banana. “Depois do casamento” foi indicado ao Oscar de Filme estrangeiro e garantiu à diretora um ticket pra Hollywood, onde dirige Things we lost in fire, drama sobre uma viúva tentando fazer a vida ao lado de um amigo. Boa sorte.

segunda-feira, agosto 06, 2007

Cão Sem Dono

Texto meu em Nacocó.

Na capa da Revista TPM, a chamada diz que Tainá Müller é a mulher que faltava no cinema brasileiro. Na mosca. Estrela de “Cão sem dono” (Cão Sem Dono, Brasil, 2007), quinto longa de Beto Brant, Tainá é linda como a vida eterna, e é ainda mais bonita porque seu rosto na tela não é vazio. Desperta emoção, apreço, carinho, ternura. Não seria tão bonita se fosse apática, nem tão expressiva se não fosse tão atraente e magnética.

Estabelecer o poder da atriz é o melhor ponto de partida para falar de “Cão sem dono”. Durante pouco mais de uma hora e meia, Brant (dividindo os créditos de direção com Renato Ciasca) convida o público a acompanhar os efeitos devastadores tanto da presença quanto da ausência da voz, olhar, andar e temperamento de Marcela, personagem de Tainá. A vítima é Ciro (Júlio Andrade). Do ponto de vista masculino, filme segue a evolução do casal, a partir do encontro depois de uma noite de sexo casual, passando pelos primeiros gestos de carinho e a incrível vontade de ficar junto, o relacionamento firme e vivido intensamente, até uma inesperada separação.

Não se trata, no entanto, de uma “DR”, como no caso do recente e belíssimo “5x2” (2004), de François Ozon. O diretor aposta num perfil de Ciro, homem sem lá muito futuro, introspectivo, e irremediavelmente apaixonado. O filme o acompanha, perdido de amor, em todos os abismos de seu tédio de desempregado, sozinho em casa, conversando sobre nada com um elenco de personagens coadjuvantes sempre generosos, mas principalmente ao lado de Marcela. A presença dela no filme é cronometrada tanto para que Tainá Muller não roube o filme, quanto para provocar uma saudade intolerável, tanto em Ciro, quanto no público.



O principal mérito do filme é essa adesão total, estável e permanente, provavelmente por causa do tratamento livre de excessos adotado por Brant. Ser excessivo, surreal, também pode ser uma qualidade, mas neste caso a força de “Cão sem dono” vem por identificação. Depois de uma virada do roteiro, o casal é separado, e o filme fica mais forte ainda. Ciro fica doente de amor, tenta se recuperar. Narrativamente, parece que o filme não tem para onde ir. E agora? É justamente nesse tempo arrastado, em que não acontece nada além da tristeza projetada, que o filme fica mais forte, puxado pela excelente atuação de Júlio Andrade.

Pena que Brant e Ciasca quase comprometam tudo isso com um final que “resolve” as coisas. O final é ruim não somente pela diluição instantânea do sentimento que eles tinham obtido, mas porque parece abrupto, grosseiro, absurdo e caído do céu, num filme que se dispôs firmemente a encarar emoções de olho na realidade. Essa nota falsa não compromete “Cão sem dono”, mas com certeza impede o filme de chegar no nível de um “Clamor do sexo” (1961) , de Elia Kazan, ou “Amor à flor da pele” (2000) , de Wong Kar-wai, lindos filmes de amor que não tiveram qualquer hesitação em mandar o público para casa com o coração pesado.

De qualquer jeito, dentro da carreira de Brant, esta é uma nova surpresa. Depois do vigoroso e bruto “O invasor” (2001) , ele havia feito o infernal e intelectual “Crime delicado” (2005) , seu melhor filme. Em “Cão sem dono”, parte para uma delicadeza porto-alegrense do mesmo tipo que Marcelo Gomes e Karim Aïnouz fizeram no interior do nordeste em “Cinema, Aspirinas e Urubus” (2005) e “O Céu de Suely” (2006) , respectivamente. Nada de muito novo no panorama geral, mas um excelente passo para um diretor cada vez mais interessado em gente.

sexta-feira, agosto 03, 2007

Cinema - Faça Você Mesmo

Muito bom esse vídeo. Já mostra que é possível a existências de filmes muito impactantes, dentro desse formato youtube, onde todo mundo posta o que quiser. Na verdade, não sou rato de Youtube, mas isso aqui me pegou completamente de surpresa: é pós-moderno, e presta; é colaborativo, a cara do século XXI. Muito bom.


Lip Dub - Flagpole Sitta by Harvey Danger from amandalynferri and Vimeo.