quarta-feira, dezembro 26, 2018

Melhores de 2018


Ia ver mais alguns filmes antes de fechar a lista de fim de ano, mas acho que não teria o distanciamento para avaliar bem esses retardatários em relação aos que já se consolidaram na minha cabeça. Então fica aqui o registo dos meus filmes preferidos do ano, tendo em conta o que passou nos cinemas em Salvador (é o calendário que eu sigo). Não conto streaming, e claro, perdi coisas importantes devido ao rarefeito mercado caboverdiano.

Meus dez filmes:

10) Projeto Flórida, de Sean Baker - O grande humanismo americano travestido de filme infantil. Excluídos filmados com paixão, mas sem romantismo. Sessão dupla: A Noite dos Desesṕerados, de Sydney Pollack.

9) Piripkura, de Mariana Oliva, Renata Terra e Bruno Jorge - O ponto de partida é o "documentário indígena", mas a chegada é num filme profundo e filosófico. Aqueles dois índios Piripkura que vivem sem dominar o fogo e mantendo-no aceso não deixam de representar toda a humanidade vivendo num planeta extremamente frágil. Sessão dupla: First Reformed, de Paul Schrader.

8) Burning, de Lee Chang-Dong - O filme mais misterioso e hipnótico do ano, forte como um sonho ruim. É de se admirar a virada de chave do diretor, um mestre do melodrama que deixa de usar a violência como catalisador de lágrimas, substituindo-as por calafrios. Sessão Dupla: Cure, de Kiyoshi Kurosawa.

7) Me Chame Pelo Seu Nome, Luca Guadagnino - Mais um tijolinho na parede de grandes histórias de amor queer que o cinema americano trouxe nessa década, como Carol e Moonlight. Esse aqui lembra mais o filme de Van Sant, em que a riqueza e o isolamento de classes propiciam a alienação necessária para uma paixão dedicada. O mundo fica do lado de fora mesmo. Ultra sensorial. Sessão Dupla: Felizes Juntos, de Wong Kar-Wai.

6) As Boas Maneiras, de Marco Dutra e Juliana Rojas - Esse aqui é a posta do ano. Dutra e Rojas ficaram conhecidos pelo cinema de planos medidos a régua e precisão absoluta de roteiros. Aqui, eles pegam esse controle todo e mandam à merda no meio do filme, se arriscando num terror barroco e sem limites. O final é a cara do Brasil 2018. Lindo. Sessão dupla: Psicose, de Alfred Hitchcock.

5) O Amante Duplo, de François Ozon - Nada mais divertido que thriller sensual, aqui tirado diretamente do manual Instinto Selvagem. Se o filme já é insinuante na sua trama sexual sem limites, quando vampiriza a psicanálise para justificar viradas delirantes de roteiro, fica melhor ainda. Sessão Dupla: Vestida Para Matar, de Brian de Palma.

4) Visages Villages, Agnes Varda e JR - Nenhum filme amou tanto gente quanto esse, uma exaltação do sentimento de pertencimento das pessoas a seus lugares, e como esse pertencimento define a identidade de uma comunidade. Varda lucidíssima aos quase 90, com um coração enorme. Sessão Dupla: Aquarius, de Kleber Mendonça Filho.

3) Ilha dos Cachorros, de Wes Anderson - Para um cineasta tão obcecado por controle como Anderson, nada melhor que a animação para que exercite todos os seus TOCs de simetria. O filme é um espetáculo visual apuradíssimo, ainda mais radical do que o padrão Anderson, extraindo um crescendo de gags incríveis a partir de nada mais que enquadramentos e composição. Filme-lego. Sessão Dupla: Playtime, de Jacques Tati.

2) Deixe a Luz do Sol Entrar, de Claire Denis - Parece uma comédia romântica, mas é um filme muito triste sobre errar e errar - nos dois sentidos - , de relacionamento e relacionamento, em busca de uma completude. É baseado em Barthes, mas lembra Woody Allen. O final, um encontro inédito entre Juliette Binoche e Gerard Depardieu, é a a cena mais bem atuada da década. Sessão Dupla: Barata Ribeiro, 716, de Domingos Oliveira.

1) Arábia, de Affonso Uchôa e João Dumans - É difícil dizer isso com precisão num país que produz mais de 200 longas por ano, como o Brasil, mas esse aqui é o filme político mais bem logrado no país nesse século. Um filme com a câmera na altura do olhar do povo, e não de cima pra baixo, maior que ele, ou de baixo pra cima, condescendente. É preciso. Aliás, é gritante a qualidade do texto disso aqui - sincero, humano, mais jamais "superescrito". E a direção de tudo, que não quer ser realista, ou transparente - é um filme cujos recursos narrativos são deliberados, evidentes, mais ou menos como em As Boas Maneiras. Sessão Dupla: As Maravilhas, de Alice Rohrwacher.