quarta-feira, novembro 09, 2016

A Assassina



Resolvi pôr um pouco de beleza no meu dia para curar a ressaca e finalmente vi A Assassina, de Hou Hsiao-Hsien. Beleza tem, e muita, e do tipo especial e massacrante que só alguém com o nível de depuração na carreira que Hou alcançou pode nos proporcionar.

É o filme ideal para curar os olhos, um passeio de imagem incrível para imagem incrível, de um jeito que o projeto parece se tratar de uma exposição num museu, e não dum filme. Não digo isso pejorativamente. O caso é que Hou faz tempo que não é ou nunca foi um contador de histórias; ele é um contador de ambiências, de universos.

É por isso que o filme mantém o interesse apesar de ser aparentemente ancorado numa conturbada intriga palaciana da dinastia sei lá o quê do século 8 chinês, com um outro desvio para uma cena de ação aqui e ali.

Essa trama movimentada - do que tipo que irritaria o mestre de Hou, Ozu - está no filme no entanto quase que como um objeto de cena, uma desculpa, algo que de fato nem precisamos entender, ou a que o filme não dedica atenção especial.

Eu gosto do filme, aliás o filme é um prazer absoluto, mas ao fim de uma hora e quarenta minutos, fica uma sensação incômoda de desinteresse também pelas pessoas; é um filme quase despido de humanidade, já que "gente" só interessa como composição de tableaux.

Não é um filme estéril - o efeito plástico que conjura empolga por ser tão gritantemente uma criação humana, por ter um ponto de vista, uma assinatura. Por outro lado, os Hou que eu amo de verdade (os dos anos 80, especialmente Tempo de Viver e Tempo de Morrer, ou Poeira no Vento ou A Cidade das Desilusões) não davam essa sensação de estar a um passo de ser uma instalação artística.

O filme ganhou um prêmio muito bem dado de direção no festival de Cannes do ano passado, aliás. É basicamente isso, um diretor acima do que o filme é, de fato.

(Ressalva gigantesca de que o filme grita para ser visto no cinema, e eu vi numa tv. Grande, até, mas uma tv. Ficou bom tempo em cartaz em Salvador, pena que não bateu com as minhas datas)

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