sábado, março 11, 2017

Silêncio, o livro

Aproveitando a estreia do Scorsese novo, que todo mundo parece ter odiado - não vi ainda - deixo aqui a recomendação do romance fenomenal que inspirou o filme. Silêncio foi escrito pelo japonês católico Shusaku Endo, mas a sua profundidade é bem maior que os limites de uma religião.

Uma vez, ao falar sobre o seu livro Reparação, Ian McEwan disse que a vida era muito difícil para um ateu, porque não havia um Deus para perdoá-lo. O repórter replicou: sustentar uma fé deve ser igualmente difícil, não? McEwan deu de ombros, com um "oh, please, don't get me started".

Endo escreve justamente sobre isso, sobre a dificuldade de sustentar essa fé, e o seu golpe de mestre é conduzir essa fé com o alicerce do cristianismo apenas para, nos momentos finais, reafirmar a sua crença em Deus com a renegação dos dogmas.

O Deus de Endo se manifesta no outro, no ato de compaixão, e, no limite, num ato de apostasia. A ausência de Deus é frequentemente ilustrada como a indiferença do universo.

A tese de Endo é que se o universo acaba nos limites do corpo individual do homem, e se este homem é capaz de encontrar empatia em outro homem - parte do todo capaz inclusive do sacrifício - esse universo não pode ser tão indiferente assim.

Pra mim, é uma ideia bela e profunda, sobre a qual é possível meditar por meses, e digo isso como alguém auto-identificado como agnóstico, e que simplesmente não consegue tirar esse livro da cabeça.

Diante dessas ambições, as discussões sobre o colonialismo que levou aqueles padres até os confins do Oriente para disseminar a religião parecem minúsculas, liliputianas. Shusaku Endo não está falando de política, e sim de toda a nossa existência.

(A tradução da Planeta infelizmente não é direta do japonês, como costumam ser as da Estação Liberdade. Ainda assim o texto corre fluido e impactante).

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