Amigos,
aos trancos e barrancos chegamos ao fim de mais um ano, e, como sempre,
compartilho a lista dos meus filmes preferidos desses últimos doze
meses. Ainda moro em Angola, mas a referência é o que estreou em
Salvador. Como
perdi muita coisa ao longo do ano, tentei compensar agora em dezembro,
então muitos filmes ainda estão ainda quentes na cabeça, sem tempo para
decantação. Talvez com uma semana ou mais eu me concilie com As
Aventuras de Pi, um belo filme cheio de problemas óbvios, mas um belo
filme mesmo assim. Ou talvez entenda melhor o que achei de Um Verão
Escaldante, o primeiro Garrel que vejo...
Mas vamos à lista:
10 - A Invenção de Hugo Cabret, EUA, de Martin Scorsese
Deus
proíba, mas esse poderia ser o último filme da carreira de Scorsese,
com honra. Uma síntese do seu amor pelo cinema, pelos livros, pela
crítica, tudo isso afirmando a necessidade de se preservar as obras de
arte, e, em última instância, celebrando a História, uma outra História a
partir do ponto de vista de quem por ela foi atropelado. A foto em 3D
de Robert Richardson é um assombro.
9 - O Que Eu Mais Desejo, Japão, de Hirokazu Kore-eda
Depois
de ter perdido todos os seus filmes desde Ninguém Pode Saber, vejo que
Kore-eda não fala mais de morte e luto, mas de vida. Apelar para criança
em geral é golpe baixo, mas favor não confundir otimismo com fofura de
boutique. A beleza desse filme é real.
8 - Cosmópolis, Canadá, de David Cronenberg
Há
quem discorde de que Cronenberg esteve em entressafra, mas acho que
esse filme é um volta à forma. Uma volta à sensação hipnótica de
estranhamento das suas melhores obras, sem o conforto de uma relação com
gêneros ou modelos narrativos que minimizavam um pouco o efeito de suas
preocupações autorais. Temos de volta um Cronenberg puro sangue,
imprevisível, perturbador (mas acho que ele pode ainda dar uma
desintelectualizada, voltar a filmar mirando o nosso sistema digestivo).
7 - Trabalhar Cansa, Brasil, de Juliana Rojas e Marco Dutra
Depois
de A Alegria, ano passado, outro flerte muito feliz do cinema
brasileiro com o fantástico, mesmo que seus monstros pareçam mais uma
metáfora de malaise social, uma materialização do mal estar dessa classe
média que é o centro das atenções da sociologia e dos estudiosos de
comportamento na atualidade. Qualquer que seja o conceito atrás dessa
ideia, quanto clima, quanta segurança na capacidade de incomodar, tanto
com sua atmosfera de terror quanto com o terror de nossas relações
sociais.
6 - Jovens Adultos, EUA, de Jason Reitman
Um
grande roteiro que nos mostra finalmente que Diablo Cody é muito mais
do que sarcasmo. Aliás, é esse sarcasmo que ela desconstrói cena a cena
com as suas próprias armas, transformando em um diagnóstico de doença
mental a impossibilidade de se levar qualquer coisa a sério sem um duplo
sentido ou um olhar malicioso. Reitman dirige tudo atento, se virando
com uma falsa comédia muito engraçada mas sempre triste, se você olhar
de perto. Charlize Theron tem a atuação da carreira.
5 - O Espião Que Sabia Demais, Inglaterra, de Tomas Alfredson
Se
Theron foi a melhor atriz do ano, o melhor ator foi Gary Oldman,
comandando um séquito de coadjuvantes incríveis num quebra-cabeça de
espionagem. Tudo muito frio e impecavelmente confuso, com aquela marca
de edição lenta e composições de imagem primorosas que revelaram o
diretor Alfredson em Deixa Ela Entrar. Chama a atenção a extrema
confiança em não criar redundâncias para deixar a trama mais fácil,
muito provavelmente porque são as pessoas e não o plot que realmente
importam nesse filme.
4 - A Separação, Irã, de Asghar Farhadi
Provavelmente
o filme falado mais eletrizante desde Maridos e Esposas, de Woody
Allen. Com uma capacidade memorável de continuar a tirar coelhos da
cartola em seu roteiro até o último minuto, Farhadi é um mestre na arte
de complicar situações, não apenas pela pura tensão, mas para explorar
ao máximo aspectos morais e sociais da vida de seus personagens. O
filme beira o sadismo, é verdade, mas de um ponto de vista estrangeiro
nenhum dos problemas soa falso e ele abre uma janela rara para um Irã
moderno, adulto, urbano, menos neorrealista e mais urgente.
3 - Fausto, Rússia, de Aleksandr Sokurov
Sokurov
parte de um dos mais conhecidos mitos da história para nos desobrigar
de segui-lo, e conduzir o nosso olhar para os detalhes, cena a cena,
sobretudo visuais, desde o horror da dissecação de um corpo, vísceras à
mostra, a uma manifestação divina, vinda dos céus. Entre esses dois
momentos, uma inesquecível viagem pictórica administrada pelo
fotógrafo-gênio Bruno Delbonnel. A questão do poder, objeto da
tetralogia que este filme encerra, é apenas secundária e superficial -
todo horror evocado é resultado do que se vê e as palavras parecem mais
som ambiente do que algo com real significado. O que importa é recriar
uma descida ao inferno com luz e cor. Magistral.
2 - Um Alguém Apaixonado, Japão, de Abbas Kiarostami
Continuação
informal de Cópia Fiel com outro conto diabolicamente simples sobre
estranhos que parecem cada vez mais próximos, e talvez o sejam, porque
identidade é algo extremamente relativo nesse filme e no anterior do
diretor, já que as pessoas são múltiplas, têm várias vidas numa só e se
comportam de maneira difícil de antecipar. Assim que essa ficha cai, a
sensação é de que absolutamente tudo pode acontecer, especialmente
quando o motor dos atos em questão é o amor. Acho que podemos cravar que
Kiarostami é o maior diretor do mundo hoje, não?
1 - Holy Motors, França, de Leos Carax
Por
coincidência, um filme que parece ter algo de Kiarostami com essa ideia
das múltiplas identidades de uma só pessoa, mas acho que aqui estamos
diante de um corte puramente cinematográfico, de um filme inscrito nos
limites do trabalho de um ator que pula de papel em papel, de vida em
vida. O universo de Holy Motors é puro cinema, salas de exibição, sets, e
não à toa o seu norte é hitchcockiano, com uma atriz chamada Eva Grace
vestida de Kim Novak caindo para a morte do alto de um prédio. Ao
contrário de Judy, em Um Corpo Que Cai, ela não viveu apenas duas vezes.
Além de suas ideias instigantes, me parece a coisa mais bem filmada do
ano, algo digno dos melhores dias de um Brian de Palma, com seus longos
planos e imagens insinuantes. Como disse Inácio Araújo certa vez sobre
Entre os Muros da Escola, esse filme é tão bom que dá vontade de morar
nele.
Um comentário:
saymon, estou sou aluno do primeiro semestre de jornalismo e estou fazendo uma matéria para o facom news sobre blogs de faconianos. gostaria de saber se vc pode conceder uma entrevista.
att
ygor
ysouzab@gmail.com
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