Cada dia acho mais
indecente essa indicação de Michael Haneke ao Oscar de direção,
sobretudo pela esnobada feia em Kathryn Bigelow. Os filmes funcionam
de moda diametralmente oposta.
Amour realmente
impressiona pela força de projetar mal-estar, pela capacidade de
tirar muito cinema de um dueto de grandes atores em um apartamento,
mas depois que baixa a poeira só sobra uma violência gratuita
contra as pessoas, uma histeria no meio daquele rigor todo, uma
inflada legal nos sofrimentos (o pesadelo, o tapa, a agonia da Riva
quase que saboreada), enfim, um sentimento geral de desonestidade
humana.
Curiosamente, me
parece o primeiro filme dele completamente despolitizado, e se seus
filmes de tese vez por outra vergavam sob o peso da sua
lição de moral (o mundo é uma merda), às vezes ele alcançava
grandes insights no nível do detalhe das relações humanas
inscritas nesse panorama pessimista (tô falando de Caché, Tempos de
Lobo, 71 Fragmentos).
(Em A Professora de
Piano, também aparentemente menos político, há uma complexidade
daquele relacionamento entre os personagens de Huppert e Magimel que,
apesar de todo o horror presente no filme todo como um todo, chegava,
ali sim, perto de um amor à Truffaut, doente e obsessivo, mas ainda
assim amor.)
A gente reclamava de
suas teses, mas sem essa coluna política, o que resta de Amour é
uma espiral de horror perfeitamente calibrada para a náusea: os
artifícios se evidenciam, chamam a atenção para si, isolados
naquele apartamento laboratório, em que ratinhos recebem doses de
veneno cada vez mais fortes.
Que ele faz isso com
muita habilidade, ok, mas talvez as minhas expectativas de cinema
sejam maiores do que exercícios de estilo miserabilistas. (Dica:
esse filme pode ser outra coisa em cinema, mas sua mentalidade não
passa muito longe de, por exemplo, Biutiful, de Alejandro Gonzalez
Iñarritu. Haneke desceu bem baixo).
A Hora Mais Escura, ao
contrário, parte de um desconcerto violento pra decantar de maneira
extraordinária como o grande filme que é. Bigelow filma a caçada a
Osama Bin Laden quase que como uma repórter, numa recusa
impressionante de julgamentos mesmo enquanto filma todo o aparato dos
US of A cruzando com convicção a linha do humanamente aceitável em
nome de um acerto de contas pelo 11 de Setembro.
As cenas de tortura são
mesmo terríveis, e, instintivamente, ficamos esperando que Bigelow
nos pegue pela mão e condene o que ela registra. Ela se recusa, a ponto de que se possa especular se ela está a favor daquilo.
Mais tarde, na reta final da caçada a Osama, Jessica Chastain (grande, grande atuação) afirma numa cena reveladora que, por ela, a invasão à casa do líder
da Al Qaeda não se realizaria: preferia jogar uma bomba. Toda a
meia hora final é a crônica de um assassinato sem processo, mas não
há uma linha de diálogo levantando qualquer questão.
Seria uma omissão, ou
mesmo uma conivência de Bigelow com tudo o que ela documenta? Eu
acho que não. Acho que, se estou pensando no filme até agora, é
porque ela usa o silêncio não para se esquivar de questões, mas
para problematizá-las de maneira ainda mais profunda. A reflexão
não vem embalada para presente, e é isso que dá a A Hora Mais
Escura o seu longo alcance. Em Amor, dá pra parar de pensar já na
cena inicial.
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