Bem recentemente vi duas incursões de cineastas consagrados no formato minissérie de televisão, com resultados intrigantemente opostos, espelhados. Todd Haynes, em Mildred Pierce, usa um dos clássicos do dramalhão, a história da mãe coragem e da filha esnobe que dela tem vergonha, mas seu tratamento é impecavelmente discreto e cerebral, infinitamente delicado, coisa de ourivesaria, quase o produto de um Visconti tardio, gelado.
Em Top of the Lake, apesar de trilhar o caminho da história de investigação policial, Jane Campion parece estar o tempo todo próximo de um thriller de arte, com uma trabalho primoroso de clima e ambientação e, principalmente, uma obsessão pela permanência da violência, sobretudo da violência contra a mulher. Para Campion a Nova Zelândia é quase um faroeste onde as mulheres se defendem das dores do mundo apelando à irmandade.
Pena que para um projeto de ambições aparentemente bem mais complexas que o melô de Haynes, Top of The Lake imploda tenebrosamente no episódio final justamente por sua concessão a armadilhas da carochinha envolvendo questões de paternidade, e, pior, a completa incapacidade de lidar com as consequências dessa virada, a ponto de ter de recuar diante desse incômodo numa cena barata de novela das sete, como se se tratasse de, lembram?, O Mapa da Mina.
No final, em comparação, o dramalhão de Haynes é muito mais incômodo, difícil, desgastante, muito provavelmente porque Haynes é alguém que entende que é preciso dominar muito mais a forma e que essa qualidade de tratamento, no seu caso, é que leva bem mais longe as possibilidades contidas numa historinha banal como a de Mildred Pierce. Campion, por sua vez, parece ter muito mais ideias do que saber o que fazer com elas, e essa inabilidade de escrever um roteiro torna o seu projeto autoral algo realmente vulgar no fim das contas.
Fernando Meirelles disse dia desses que a televisão é o melhor lugar hoje para inovação, mas acho que essas duas experiências me mostram o contrário. TV é o abrigo da caretice de alta qualidade; o tempo a mais não acentua a possibilidade de experimentação, e sim o refinamento do storytelling e da sua excelência formal e clássica. Enfim, é para quem entende de gênero, escrita e execução, e não para quem privilegia o audiovisual como expressão de sensibilidade crua, com o perdão da dureza dessa oposição.
Um comentário:
Ótimo texto,parabéns. Ainda não conferi as séries mas a vontade aumentou agora.
Abs
joão
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