É bem fácil detestar toda a primeira hora de O Grande Gatsby, um amontoado irritante de sobras desinteressantes de Moulin Rouge, de festas nababescas, excesso de efeitos e uma sensação irreal de estar assistindo a Star Wars: Fitzgerald, com todo mundo flutuando em fundos verdes. Parece uma hora inteira perdida, especialmente porque em MR esse ritmo febril era o próprio filme, e aqui é só um elemento de narrativa, coisa de personagem, algo bem menos interessante.
Há uma virada essencial, que me ganha de volta. Gatsby acaba com as festas, fecha a casa, e Luhrmann é obrigado a, dentro dos seus limites de histeria, encarar um andar mais lento. Há o espalhafato habitual e localizado em cenas certeiras, mas não mais esse torpor "The Show Must Go On" que transformava todas as sequências em baratos de absinto. Seu tratamento ainda é over, claro, mas o plot baixa um pouco a sua bola para algo mais próximo dos excessos de um diretor de melodrama dos anos 50.
Óbvio que, como um cineasta mais interessado em direção de arte que dramaturgia, a maioria das nuances e sutilezas do livro é achatada e reprocessada, cuspida, na forma de romance, gênero de locadora. Isso não é necessariamente ruim: livre de profundidades, esse romance de locadora corre solto em planos exagerados, música alta e um monte de artifícios que vendem emoção artificial para uma história que não teria essa tendência catártica naturalmente. Para quem quiser tudo o que Fitzgerald tem a oferecer, o livro continua lá intacto. Isso aqui é outra coisa.
Apesar de ser mesmo o pior filme de Luhrmann, eu gosto muito, no fim das contas. Pelo que tenho lido, vejo certas restrições ao filme como reflexo da dificuldade de se respeitar o melodrama como gênero de forma não irônica/referencial ou sem a distância do tempo. Luhrmann não é Todd Haynes. A sua afetação aqui não tem uma significação terceira; é o que é na aparência mesmo, um modo de contar histórias com opção consciente pela simplificação de complexidades, infantilização de conflitos e ênfase em reações básicas e intensas de emoção. Não é defeito, é escolha.
PS (21/5): Escrevi
que o trato de Baz Luhrmann em O Grande Gatsby não é referencial, e
mantenho isso, mas dois dias depois ficaram as imagens de mulheres loucas em
carros velozes, de pocilgas de beira de estrada, de mansões e escadas
circulares, com um cadáver lá embaixo dessa escada, visto de cima para
baixo. Luhrmann, quando quer citar, não é a pessoa mais sutil, mas é por
isso que esses elementos todos não são uma citação: ele simplesmente estava bêbado de Palavras ao Vento, de Sirk.
Outro detalhe que não mencionei é que, no geral, festas loucas e
desenfreadas transmitem uma sensação premonitória ou já presente de
decadência: de Fassbinder a Bob Fosse, do mesmo Luhrmann a Pasolini, a
orgia é um prenúncio do fim. Não nesse Gatsby. As pessoas divertem-se
como sim, como se houvesse amanhã e elas fossem continuar ricas para
sempre.
No início esse oba-oba me irritou muito, mas agora eu
acho que esse contraste acentua o inesperado trágico que a história vai
trazer não apenas a Gatsby, mas a todos aqueles ricos prestes a virar pó
com o crash de 29. Eles eram inocentes, coitados; não havia pistas.
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